Armando Porfirio Rodrigues tinha 40 anos em 1908. Enfermeiro no Hospital Inglês da Rua do Alecrim, estava ligado ao grupo que assassinaria o Rei D. Carlos e o Príncipe D. Luís Filipe nesse 1 de Fevereiro, sendo referido como estando colocado no Corpo Santo caso falhasse a tentativa no Terreiro do Paço. Não foi preciso, como sabemos. Membro da Maçonaria e da Carbonaria, esteve na preparação do golpe e na Rotunda a 5 de Outubro em termos nem sempre consensuais entre os seus correligionários, apesar do louvor final. Responsável pela supervisão dos religiosos do Colégio Jesuíta de Campolide presos em Artilharia 1, por estes ficaria conhecido como o “diabo-sem-freio”, pelos seus excessos e pelo seu radicalismo. Tanta lealdade à causa republicana havia que ser reconhecida e é por isso que logo em 5 de Janeiro de 1911 é nomeado Almoxarife do Palácio Nacional da Ajuda. À sua total impreparação, ou falta de curriculum, como se diria agora, sobrepunha-se a vontade política e deveres da irmandade. Os resultados iniciais eram fáceis de prever e bem visíveis na alcunha que rapidamente adquiriu, a do novo rei da Ajuda. Uma espécie de dono daquilo tudo. Os interesses eram os seus e o dos seus amigos no regime que tinha ajudado a implantar, que de nacional pouco restava ou restaria.

Nunca o estado português viu necessidade em esclarecer cabalmente o que aconteceu naquele dia em que mataram a sua autoridade suprema, o Rei D. Carlos. Que por sinistra coincidência tinha nascido exactamente no Palácio depois entregue a um dos operacionais da sua morte. Nem nada nesta nomeação teve a ver, como se revelou, com mérito para a função. Este como muitos outros. E tal como agora.

Nada de muito novo portanto neste 1 de Fevereiro de 2023 em que Portugal atravessa uma cada vez mais destrutiva falta de confiança nas suas instituições e em que se acredita cada vez menos na mudança, e na capacidade de reestruturação do sistema político. Em que parece que a Ética desapareceu, em que se mantêm e se reforçam as lealdades mas não o serviço público e em que sobra irresponsabilidade e mediocridade. Os novos reis da Ajuda multiplicaram-se na razão inversa da liderança de visão percursora que D. Carlos personificava. O xeque-mate daquele dia mais do que ao Rei foi ao País. Cento e tantos anos depois talvez seja já tempo de os começarmos a destronar a eles e como ele o faria. Encontrando um desígnio, definindo prioridades estratégicas nacionais e formando uma elite que conheça, compreenda e projecte o país. Portugal agradece. E merece.

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