Não é possível estar de bem com Deus e com o Diabo. O maior problema deste governo é querer conciliar a agenda da esquerda comunista que o apoia no Parlamento com o ideário socialista democrático dos seus militantes e simpatizantes e com a vontade dos portugueses.
Todas as pessoas de boa-fé, de direita como de esquerda, desejam o sucesso do governo para o bem de Portugal, excluindo-se os prosélitos dos partidos cujo dever de ofício consiste em desalojar ou afastar a concorrência. Ter sucesso significa reduzir o desemprego e as desigualdades, atrair investimento, reduzir défice e dívida, reformar positiva e paulatinamente o ensino, saúde e Estado social, garantir o cumprimento das obrigações internacionais, criar condições de estabilidade na economia e na sociedade, assegurar o bom funcionamento das instituições. Significa também, alguns diriam sobretudo, ter boa imagem e reputação.
Ter sucesso não significa tudo isso ao mesmo tempo, o que é mais do que improvável. Mas um governo, através do exercício da governação, ao conceber, propor e gerir políticas públicas, tem de alcançar a maioria desses resultados. Ora, nos poucos meses de governação socialista, há já sinais visíveis da dificuldade de conciliar Deus e o Diabo. São apenas sinais e, sejamos justos, ainda incipientes; não permitem conclusões definitivas, sobretudo por parte dos analistas da direita do espectro político, como é o meu caso, que têm de ter o dobro do cuidado. Este deve ser um tempo de apaziguamento, sem revanchismos prejudiciais ao país, venham de onde vierem.
Contei sete sinais demonstrativos da dificuldade de servir a dois senhores, de querer cumprir duas agendas contraditórias, de conciliar mudança a qualquer custo com o custo da mudança. Sete sinais, sete pecados ainda não mortais mas veniais, a requerer urgente atenção:
O primeiro é político. De imagem. Respeita às condições da governabilidade, que são difíceis e exigentes, precárias, para dizer o mínimo. Não ajuda e cria grandes dúvidas aos portugueses que PS, PCP e Bloco não se entendam sobre salário mínimo, aumento de pensões e reformas, condições da mudança das horas de trabalho da função pública, etc. À esquerda dos socialistas há pressa e vigor reivindicativo. Mas cada choque entre governo – leia-se PS – e seus aliados aumenta a confusão: afinal, eles entendem-se ou não? Ter sucesso é ser credível, ter uma imagem de liderança e coerência.

Segundo, o pecado da dívida. A decisão de pagar ao FMI um terço do previsto pelo governo anterior, demorando mais tempo a pagar, aumenta no imediato a disponibilidade orçamental; mas redu-la nos próximos anos e sobretudo faz subir muito a despesa com juros. Se ter sucesso na governação é reduzir défice e dívida, esta decisão põe em causa esse sucesso.
Terceiro, a educação. O que está em causa no que respeita aos exames é a rapidez, o momento (do ano lectivo), a aparente falta de preparação das modificações – durante quanto tempo foram elas ponderadas, que estudos se fizeram? Fica a sensação, que pode ser injusta, de se tratar de uma pura e simples reversão das políticas anteriores para marcar posição e “português ver”. “E as crianças, senhor (…) porque padecem assim?”. Dificilmente uma reforma do ensino resulta positiva se começa por criar tanta celeuma e é tão incompreensível para a generalidade dos portugueses (sobretudo dos que são pais).
Quarto, os transportes. As medidas de reversão não contribuem para prestigiar o país, põem em causa o cumprimento das nossas obrigações internacionais, criam instabilidade na economia (com custos futuros imprevisíveis) e prejudicam a atracção do investimento estrangeiro. Outro mau presságio para o sucesso da governação.
Quinto pecado venial: e o Novo Banco (NB)? Diz-se que a culpa não é do governo e sim do Banco de Portugal (BdP). Mas porquê? O que devia o BdP ter feito? António Costa também já mostrou desagrado com a solução. Qual era então a solução? Como acorrer às necessidades de capital de 1.398 milhões de euros? Não podia ser um bailout (Estado) não podia ser um bailin (dos depositantes, como prevêem as novas regras de resolução europeia); o que restava então? E se nem sequer o Banco Central Europeu, em resposta à Bloomberg e na esteira das violentas críticas da Pimco, se mostrou solidário com o BdP, é cada vez menor a confiança nas instituições. Mais do que ser, o problema é de “parecer”: depois também das dúvidas surgidas sobre a solução adoptada no caso Banif, “parece” que Portugal e os bancos portugueses não são credíveis. E nos mercados financeiros o que parece é: em causa está a credibilidade do país e as condições de acesso ao financiamento, quer da economia quer da banca nacional.
Sexto, a reposição das 35 horas de trabalho na função pública. A diferença entre o PS, que quer a medida em vigor apenas em Julho, e a restante esquerda parlamentar, que a quer já, é bem o símbolo da contradição no seio da aliança que permite ao governo ser governo: trata-se de garantir que a medida não tem custos para o orçamento do Estado, como salienta o próprio Ministro das Finanças. E se isso está longe de garantido, por maioria de razão com a pressa do PCP e Bloco, ficam em causa as contas públicas e a estabilidade da economia.
O sétimo pecado é quase mortal: trata-se da mudança a qualquer custo. Não é um pecado original, pois infelizmente nele incorrem com frequência todos os partidos e governos em Portugal. Mas são mudanças a mais em tão pouco tempo, a deixar no ar a ideia de decisões tomadas a correr e por isso pouco ponderadas e reflectidas: feriados, fim das execuções fiscais sobre a morada de família, reversões nos transportes, taxas moderadoras na IVG, julgamentos sumários por crimes graves, exames e provas de aferição, avaliação de professores, etc. Se ter sucesso na governação significa “criar condições de estabilidade na economia e na sociedade”, e apesar de todo o Mundo ser composto de mudança, tantas mudanças em tão pouco tempo dificilmente levarão a esse sucesso. Fica a sensação que era preciso mudar depressa para agradar a Deus. E ao Diabo.
Sete pecados (por enquanto) veniais. Se nada mudar e o rumo seguido não se alterar, a factura, a prazo, será pesada: os custos somados da perda de credibilidade, dos processos sequentes ao Novo Banco, Banif, reversões dos transportes e o que mais se verá, o aumento dos juros da dívida, o agravamento das condições dos empréstimos e à banca, pesarão sobre os contribuintes. Aqui chegados, perguntarão os leitores: o que fazer?
A resposta é simples: pensar antes de agir, não mudar por mudar, estudar a fundo o impacto das medidas adoptadas antes de aprovar leis a todo o custo, mudando só o que definitivamente for melhor para o país e para os portugueses; governar de acordo com o programa, princípios e ideais do partido que governa (diferente seria uma coligação de governo); avaliar as condições de governabilidade e de sucesso da governação.

Portugal não pode continuar ser uma “mudançocracia”. Caso contrário, a penitência será dura. E os penitentes seremos todos nós.

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