• O PS vai ser governo, António Costa será primeiro-ministro. Vai fazê-lo com um acordo à esquerda: as medidas acordadas ainda não são claras, o seu custo ainda é desconhecido, embora as contas do futuro ministro das finanças (Centeno?) apontem para uma redução acrescida do défice decorrente justamente do aumento da despesa (esse inevitável).
  • A 5 de Outubro, dia em que foram montados os alicerces de uma solução impensável – como todas impensável até ser aplicada -, muitos acreditaram que o caminho seria aquele por que Cavaco pugna desde há pelo menos 2 anos: o bloco central. Tivesse Costa optado por esse caminho e haveria agora um governo estável, para 4 anos, sem ambiguidades ou tergiversações. Ou tivesse preferido manter-se tranquilo na oposição, como defende Assis, e teríamos agora um governo conhecido, provavelmente para meia legislatura, também sem ambiguidades nem tergiversações. Num caso e noutro, o PS sairia a ganhar.
  • Ah, e num caso e noutro, com o pisca-pisca à direita, o PS poderia impor a maior parte das medidas do seu programa eleitoral: com as chaves do reino na sua mão, a coligação – PSD e PP – não teria outro remédio senão ceder. Essa é uma das ironias da situação: o programa anti-austeridade do PS, como base de negociação com os partidos à direita, sairia provavelmente mais reforçado do que (acontecerá) com o acordo à esquerda: é que os fazedores de reis, donos das chaves da governação, são agora o Bloco e o PCP, não o PS. Ironias da sorte que a vontade dos homens tece.
  • Costa não escolheu nenhum dos caminhos, como é sabido. Se o tivesse feito estaria agora a lutar pela sobrevivência política no Congresso anunciado para janeiro ou fevereiro e os rivais já perfilados a afiar facas e a reunir exércitos. Perdia Costa. Assim, está a ultimar os pormenores do governo, enquanto os rivais anunciam silêncio e expectativa. Ganha o PS?
  • Expectativa ansiosa, como nos filmes, como nos tsunamis quando o mar recua, como na guerra quando os combatentes contemplam o ocaso das suas existências. Expectativa quanto ao primeiro governo verdadeiramente de esquerda no pós-1975: muito foi prometido, em breve tudo se saberá. Na sombra, o essencial: dele falarei mais à frente.
  • Antes do mais, contudo, como fiz em várias destas crónicas desde as eleições, permitam-me, com a paciência que têm os leitores do Observador, voltar a criticar o tremendismo com que parte da elite reagiu a esta solução impensável até que alguém pensou nela: se o objetivo é alimentar títulos como os da Bloomberg e transmitir a ideia de que Portugal caminha para o abismo – através dos correspondentes da imprensa internacional -, então parabéns, o objetivo está conseguido. Os juros da dívida já sobem e ainda nem há governo de esquerda. Mas como todos os meus amigos de direita (e eu sou de direita) são pessoas sensatas e informadas, não acredito que seja esse o objetivo.
  • Nem se pode dizer, muito sinceramente, que as pessoas já referidas como ministeriáveis pelo PS (com verosimilhança) sejam perigosos esquerdistas ou gente sem qualidade: leio e escrevo nomes como os de Elisa Ferreira, Margarida Marques, Mário Centeno, Seixas da Costa e outros e, sinceramente, não creio que possamos pôr em causa a sua qualidade.
  • O tremendismo divide o país ao meio. O tremendismo faz mal ao país. Ponto e devia ser final. Há que analisar a situação à luz da razão, da ciência política e das contas da economia, sem ignorar o enquadramento internacional e as obrigações de Portugal. E é nesse ponto que o ponto se duplica: não pode António Costa nem o PS ignorar, não pode o país ignorar, que as consequências do governo português não ser absolutamente claro sobre os compromissos para com a União Europeia, credores e FMI, serão, essas sim, tremendas. É fundamental encarar o problema e transmitir mensagens claras – não chegam “acordos com vista à legislatura”, são precisas explicações sobre como respeitar a meta de 3% do défice. Jerónimo de Sousa tem razão quando diz que não percebe porque são 3 e não 4 ou 4,5? Até pode ter, mas que relevância tem ter razão neste caso (Musil diria, adaptando-o, que a mania de ter razão é a razão de todos os conflitos)?
  • Basta que os credores “achem” que um governo com apoio de comunistas ameaça o cumprimento das obrigações, para logo as condições do nosso acesso aos mercados se tornarem insustentáveis. Tenho a certeza que o PS já pensou nisso; e que preparou um discurso fortíssimo para antecipar e evitar a escalada. Se Portugal perder o último rating acima de lixo de que dispõe – a notação ‘BBB’ da canadiana DBRS – perde de imediato acesso ao programa de compra de dívida por parte do BCE (o “quantitative easing”). A DBRS já avisou que esse risco existe, e é bem real se o programa do governo de esquerda ameaçar a rota de estabilização das contas públicas iniciada há 4 anos. O Bloco e o PCP estão dispostos a apoiar um discurso e uma prática que tranquilizem os mercados e os credores; mais – apoiam medidas concretas para minimizar esse risco? Sem o apoio do BCE, com os juros da dívida a escalar, nenhuma das medidas que o governo de esquerda queira implementar será possível sob pena de um rápido regresso ao passado pré-troika.
  • E as privatizações? Até onde reverterá o governo de esquerda as que já foram acordadas, que respeito pelos compromissos, na TAP, nas restantes empresas de transportes, nas outras? Devolvemos as empresas deficitárias ao Estado para o contribuinte pagar (e voltarem a ser privatizadas daqui a algum tempo)? Em que país são possíveis tais Maravilhas (e que credibilidade tem ele?).
  • Um governo que nasce com o rótulo de (vá lá) “com apoio dos comunistas”, tem de ser muito rápido a esclarecer, muito assertivo no discurso, muito claro nas medidas. É injusto, pode ser, mas como diria alguém bem do nosso conhecimento, é a vida. Escamoteá-lo equivale a (voltar a) acreditar que vivemos num país das Maravilhas, em que tudo é possível. As pressões vão ser tremendas; ou, melhor dizendo, gigantescas… Gigantescas?
  • “Vamos ter, certamente, gigantescas pressões da Europa da austeridade; vamos ter, certamente, gigantescas pressões dos grandes grupos financeiros internacionais, que têm lucrado tanto com a venda do nosso país ao desbarato; vamos ter gigantescas pressões do sistema financeiro e dos grandes grupos económicos que têm gostado tanto da destruição das condições do trabalho e da vida em Portugal” (Catarina Martins dixit). Muito sinceramente e sem tremendismos: é uma declaração de guerra à “Europa da austeridade” (Comissão, BCE, FMI, parceiros europeus)? Aos grupos financeiros que investem em Portugal (ao investimento estrangeiro?). Aos grupos económicos “que se comprazem com a nossa miséria” (malvados, que fazer com eles)?
  • O realismo mágico do país das Maravilhas não é compatível com a realidade. António Costa e o PS sabem que o bater de asas de uma coligação de esquerda em Portugal pode desencadear um tsunami internacional que impeça o país de voar. Que fazer? 

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