Passados oitos meses da presidência Biden, este autorizou uma das piores decisões de política internacional e das piores decisões de sempre para os direitos humanos: retirar as tropas americanas de Afeganistão. Ficou marcada por imagens de afegãos pendurados em aviões a levantar voo e uma bomba no aeroporto de Cabul que matou 13 soldados americanos e 170 afegãos. O exército americano tinha estado no Afeganistão desde 2001 e teria gasto mais do que 2 biliões de dólares, para com tristeza ver os talibãs ocuparem o país em dez dias. Os EUA deixaram 7 mil milhões de dólares em equipamento militar que, com esta saída abrupta, ficou todo ele para os talibãs. Na altura da retirada, estavam 13 000 tropas americanas no Afeganistão, um número que tinha vindo a diminuir ao longo dos anos. Não representava muitos gastos em termos do total no orçamento da defesa americana.
Sabemos que os talibãs violam os direitos humanos, especialmente os das mulheres, a liberdade de expressão e a liberdade de religião… mas sabiam que os talibãs detestam música e perseguem músicos? Eu não sabia até ler a história comovente de Ali Esmahilzada no Twitter. Ali era um violinista famoso, vivia em Cabul com a sua família. Esteve na televisão durante cinco temporadas numa série comparável com os Ídolos. Já tinha tocado nos Estados Unidos, inluindo no Carnegie Hall. Quando os talibãs entraram, ele conseguiu escapar para Los Angeles, com um visto especial, mas deixou para trás o seu violiono com medo de ser descoberto. Os talibãs tinham executado um cantor de folclore depois de banir a música publicamente. Muitos músicos fugiram do Afeganistão, incluindo um grupo de estudantes e professores do Instituto Afegão de Música.
Ali mudou-se para Los Angeles, onde não tinha família nem amigos. Viveu numa casa pequena com quatro colegas de quarto. Não tinha computador, carro, tinha pouco dinheiro e roupa. Arranjou um trabalho difícil e exigente: mudar caixas de local num armazém de roupa. Um dia, ele recebeu uma prenda que mudou a sua vida: um violino valioso de 110 anos. Um americano do outro lado do país tinha ouvido falar da sua história e quis oferecer-lho. Enviou-o através dum amigo, Latif, que se interessou pela história de Ali, o convidou para jantar e contou a história dele no Twitter. Agora Ali tem um visto chamado “green card”, uma carta de condução e um novo trabalho. É um exemplo do sonho americano!
Julie: Nasceste no Afeganistão? Que familiares deixaste para trás?
Ali: Sim. Deixei dez familiares. Tenho uma família grande: pais, dois irmãos, quatro irmãs, sobrinhos e sobrinhas.
Julie: Como aprendeste violino?
Ali: Aprendi música com os americanos no Afeganistão. O meu primeiro professor de violino foi William Harvey e ele é o melhor violinista. Tirou o curso no Julliard University, NY.
Julie: Quando chegaram os talibãs, queimaste todos os instrumentos musicais e pautas em tua casa e escondeste o violino. Como foste parar aos Estados Unidos?
Ali: No dia 15 de agosto de 2021, os talibãs entraram em Cabul, Afeganistão, derrubando o governo afegão. No mesmo dia, queimei os meus certificados, pautas e alguns instrumentos musicais. Tinha medo de que alguém denunciasse a nossa casa e morada. A minha mãe e pai consolaram-me e disseram que me protegiam. Não conseguia dormir e estava preocupado com a minha família. Pude escolher curiosamente se queria ir para Portugal, ou então tinha um visto especial para os Estados Unidos. Eu queria ir para os Estados Unidos e tinha uma forma legal que era um visto. Agora conheço muitos cantores afegãos famosos aqui. Amanhã tenho um concerto com eles em Orange County.
Julie: Quais são os teus sonhos musicais para o teu futuro e sonhos para o futuro do Afeganistão?
Ali: O meu sonho é ser um músico profissional e alguém útil no mundo. Fazia arranjos de música para cantores quando estava no Afeganistão. Um dia gostaria de voltar para o Afeganistão e ensinar música a quem a ama. A música afegã é muito doce. Todos gostam de música afegã. É tradicional e diferente de outros tipos e música. Estou neste momento a gravar uma canção Persa no violino. Sairá brevemente. Gosto de tocar diferentes estilos de música: clássica, indiana, afegã, jazz, flamenco. Desejo que um dia o povo afegão seja livre da violação de direitos humanos e tenha paz douradoura. Se o Afeganistão for liberto do domínio dos talibãs, irei e ensinarei o povo.
Julie: Porque achas que os talibãs detestam música?
Ali: Quando alguém lhes pergunta, eles relacionam com a religião. Porém, a música está no nosso corpo e está no Corão. Os Mensageiros celebravam com música. Não há razão nenhuma para a proibirem, mas dizem que não é boa. Existem muitos países muçulmanos, mas só no Afeganistão é que a música é proíbida. A minha mãe foi comprar algo na cidade. Viu um homem com airpods nos ouvidos a andar de bicicleta. Pararam-no, ouviram que era música e deram-lhe chapadas e pontapés. Só porque ouvia música. Agora os afegãos já não podem celebrar casamentos. Não podem dançar nem ter música.
Julie: Acho que tirar a beleza da música das pessoas é uma tentativa de lhes tirar a alma. De lhes tirar a ligação à Transcendência. A música é algo que os talibãs não conseguem controlar. Torna as pessoas livres. Concordas?
Ali: Eles controlam as pessoas com armas. “Tens que aceitar as minhas regras. Senão mato-te.” Os afegãos não são um povo violento.
Não podemos tirar os talibãs, mas temos direitos. Cada ser humano tem o direito inalienável de ouvir e fazer música. Não conseguem tirar a música das nossas vidas. Se eu não ouvir música, a vida torna-se dura demais. Não posso imaginar a vida sem música.
Pelo mundo fora, as mães embalam crianças com canções para os acalmar. A alma humana precisa de música.
Pode seguir Ali no Instagram @ali.violinnn