Oscar Wilde vaticinou que no futuro as máquinas substituiriam o homem nas tarefas rotineiras e afinal este poderia dedicar-se à “contemplação”:
“Não há nada necessariamente digno no trabalho manual e maior parte dele é degradante (…) O homem foi criado para algo melhor que varrer lixo. Toda esta espécie de trabalho devia ser feita por uma máquina (…) logo após a máquina ser inventada para fazer o trabalho do homem, este ter começado a morrer de fome (…) enquanto a humanidade se diverte ou goza o lazer intelectual – o que é a finalidade do homem e não o trabalho – ou lê coisas belas ou, simplesmente, contempla o mundo com admiração e deleite, a máquina fará todo o trabalho necessário e desagradável” (Wilde, 2002, pp-39-41).
Temos falado muito do ChatGPT e também falei sobre ele aqui. Este é apenas mais um exemplo de como as máquinas estão a reconfigurar o mundo do trabalho no presente e no futuro. O vaticínio de Oscar Wilde no século XIX já se cumpriu e não foi o Chat GPT que o concretizou. Como temos visto e comentei naquele artigo, este software vai ajudar em muito na produção de conteúdos para vários contextos, seja o jornalístico, académico, criativo e igualmente no serviço ao cliente e no apoio às mais pequenas tarefas de produção de conhecimento e criatividade do utilizador comum e não comum. Tem um poder computacional tal que ultrapassa a capacidade humana nestas tarefas. Aumentará a nossa eficiência e permitir-nos-á (espera-se) dedicar-nos a outras atividades e ser muito mais produtivos.
Mas já vivemos com o auxílio das máquinas há muito tempo. A questão é quando nos substituem. Também é verdade que já substituem há muito tempo. Mas Wilde não mencionava com certeza que o substituísse a si como escritor. E isso já poderá ser possível, se bem que não só os dados com que o GPT treina e aprende são limitados ao final de 2021, como se duvida da capacidade verdadeiramente criativa do software. Independentemente disso, será um poderoso auxílio. Isso é positivo e não negativo.
As máquinas já nos substituem nas tarefas árduas fisicamente, as repetitivas e que não convocavam capacidades únicas no ser humano e que o distingue dos animais, como a criatividade. O ChatGPT diz que não é criativo como o ser humano, mas já faz poemas e ficção, mesmo que de forma rudimentar. Mesmo que o Chat GPT seja um “pseudo-criador”, arriscamo-nos a permitir um mundo de dúvida sobre a autoria das mais variadas peças vindas das indústrias criativas. Sou dos que não creio que consiga imitar o ser humano, pois, como disse, o robot fica-se pela influência e não pelo novo. Se há algo humanamente divino é criar a partir do nada. Acredito que há um “it”, para além da influência e que é eminentemente novo e isso caracteriza a verdadeira obra de arte. Ou teoria gerada a partir da natureza (ciência). A questão aqui a colocar é se queremos o mundo povoado para os homens ou para robots. Ou o trabalho para o homem ou o homem para o trabalho?
Aqui, então, neste futuro hipotético encontraremos uma minoria que trabalha – os “hiper achievers” – e a maioria que contempla e vive daquele subsídio mínimo para todos? Pela mesma razão se inventa a semana de quatro dias, não será apenas para aumentar a conciliação família-trabalho. O homem delegou cada vez mais tarefas e tornou-se mais eficiente e percebeu que assim pode dedicar-se a atividades paralelas, secundárias ou de índole pessoal, ao lazer, saúde e à família.
Aprendi que um sinónimo de lazer é respirar. Diferente de preguiça, isso é procrastinar. Não tem nenhum objetivo produtivo. Pois descansar também é produtivo e criativo. Os orientais assim nos ensinam. Basta fazer uma inspiração e uma expiração e já estamos a contemplar e sair do modo operativo. Assim já não seria o homem a ser escravizado pela máquina, como no filme de Chaplin “Tempos Modernos”, mas a máquina a trabalhar para o homem, segundo o sonho de Oscar Wilde. Parece um futuro risonho.
Por outro lado, a meu ver, o futuro só pode ser das relações. Provavelmente, a única competência que as máquinas não podem imitar é a emocional e empática. Mesmo na área dos negócios, as ideias vão estar por aí (veja-se o sucesso das redes sociais). Por isso me pergunto pelo investimento recente e massivo em vários milhões de dólares da Meta (dona do Facebook) na realidade virtual, no chamado “Metaverso”. Do que vejo à minha volta, estamos todos saturados de ecrãs e virtualidade. Mas posso estar enganado. E, na verdade, sou grande defensor do trabalho remoto, desde que com contenção.
Um dia criei na internet um grupo de caminhadas pelas serras do centro e sul de Portugal, direcionado a estrangeiros, e não precisei de fazer muita publicidade pois tinha sempre clientes. E muitos “digital nomads” a viver em Portugal. Pelo que me pude inteirar, estavam ávidos de presença humana e natureza. Outro projeto que tive, uma rede social na internet para casamentos, o trigger de conhecimento era facilitado pelos algoritmos e pela tecnologia, mas o resto estava fora da plataforma e os eventos que realizei eram momentos muito interessantes de conhecimento e convívio entre as pessoas. Posso dizer que os que participavam eram uma minoria, os “corajosos” e “risk takers”, mas era muito interessante e os eventos correram sempre muito bem. Haverá coisa mais genuína, que nos nutra tanto e nos apele mais ao nosso ser mais primitivo do que a relação?
Numa perspetiva (relativamente) otimista, o futuro poderá ser aquele da contemplação, de nos ocuparmos do essencial, como dizia Jesus à atarefada Marta, na Bíblia, quando a repreendia e apontava Maria, sua irmã, como a que escolhia a melhor parte, a que contemplava e desfrutava verdadeiramente do que importa, do belo e do bom.
Divago? Acreditem que esta discussão não é de técnicos apenas, penso que é sobretudo de filósofos e sociólogos. O que queremos do nosso futuro como humanidade? O futuro do trabalho não vai nesta direção? Cada vez existir menos trabalho para todos?
Por fim, há um pequeno (grande) problema: isto poderá agradar a uns, mas não sei se a todos. Os fazedores, por exemplo, não se ficam por subsídios e contemplação e este motivador de fazer mais e melhor, diminuirá. Não se diz também na Bíblia que o homem foi “feito para trabalhar”? E o homem ficará entretido com o quê? Não é esse o motivador da vida, resolver problemas, vencer obstáculos? Não vamos pensar que todos serão programadores e gestores informáticos ou criadores de algoritmos, como se quer fazer crer cada vez mais com um proselitismo tecnológico bacoco. Ou escritores. Há mais ocupações. E o homem sem ocupação, guerreia. Com ocupação, está sempre a tentar ser melhor do que o outro. Há um lado positivo, pois da competição nascem soluções, mas também há o lado negativo. Já dizia Dostoievski nos “Cadernos do Subterrâneo”:
“Os homens não têm feito outra coisa, durante toda a vida, senão guerrearem-se uns aos outros, guerrear e voltar a guerrear, tanto outrora como agora” (Dostoievski, 2008, p.32)
Outra possibilidade para este futuro das máquinas é o avisado por gestores e visionários como Elon Musk, o qual nos previne dos efeitos perversos da inteligência artificial. Comentando o filme “Exterminador II”, disse que o realizador James Cameron pensou bem no argumento pois coloca as máquinas numa situação hipotética de serem treinadas por nós a eliminar inimigos que possam colocar em causa a sobrevivência da humanidade, mas essas mesmas máquinas querem destruir os humanos quando avisadas de que estão a ir longe demais. Isto acontece precisamente porque foram treinadas a eliminar inimigos.
Então qual será o futuro com as máquinas? Não sou adivinho, mas há sinais. E sou um otimista: penso que será melhor. Mas temos de estar atentos aos riscos altos. Quero crer que poderemos descansar em paz e contemplar a nossa obra. Ou continuar a criar valor com mais soluções a problemas humanos. Espero que desfrutemos, por fim, de coisas boas, e não de devastação.
Referências:
Dostoievsky, F. (2008). A Voz Subterrânea (trad. Natália Antunes). Quasi.
Wilde, O. (2002). A alma do homem sob o socialismo (1ª ed.). Vega.