Os espaços verdes da cidade do século XXI, mais do que áreas residenciais implantadas como ilhas no interior do edificado, deverão, pelo contrário, organizar-se em corredores que, percorrendo a cidade, permitirão a existência de percursos e espaços de lazer, recreio e desporto livre, até se integrarem nas paisagens tradicionais dos campos limítrofes, constituindo com elas uma estrutura contínua que garantirá a sustentabilidade ecológica e física de toda a região.

O novo conceito de espaço verde, para além de continuar a apoiar-se numa conceção estética que exalta o génio do lugar deverá ser polivalente quanto a proteção, produção e recreação. Trata-se da concretização da ideia de continuum naturale e sua interpenetração com o contínuo edificado numa conceção global de paisagem.

A criação da paisagem global exige uma política urbanística onde o espaço natural e o espaço edificado tenham valor idêntico. Por esse facto, a estrutura verde não deverá ser concebida a posteriori concretizada num mero decorativismo vegetal, em arranjos paisagísticos, na vegetalização e enquadramento de infraestruturas ou em paisagismos pictóricos, mas sim concebida como uma obra de arquitetura paisagista que se apoia numa participação interdisciplinar (Gonçalo Ribeiro Telles, 2003).

Num momento em que se fala de pacto ecológico, lei do clima, transição energética e digital e estratégia do prado ao prato, a noção de parque agroecológico urbano pode ser uma forma interessante de materializar o conceito mais abrangente de paisagem global. Vejamos alguns aspetos do problema.

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Infraestruturas e corredores verdes

Nesta agroecologia urbana as infraestruturas verdes terão um lugar proeminente no planeamento, na prevenção e na terapêutica urbanas. Estas infraestruturas ecológicas, que nós designamos aqui como os “operadores biofísicos da região-cidade” serão essenciais na projeção territorial da cidade, pois elas poderão funcionar como as placas giratórias dos corredores verdes e das redes de corredores verdes ou como novos lugares centrais da região-cidade. Recordemos, como exemplo, as principais: as redes integradas de micro geração energética, a construção sustentável e a bioregulação climática, a agroecologia e a economia do carbono, o bosquete multifunções e a composição da floresta urbana, a agricultura urbana e periurbana para abastecimento alimentar, a promoção dos serviços de ecossistema, a promoção dos corredores verdes de ligação aos espaços mais sensíveis, os lagos biodepuradores e a compostagem urbana, a experimentação em agricultura vertical urbana, a construção de amenidades agroecológicas e recreativas, entre outras.

A tabela que apresento é um exemplo simples desta conexão cidade-campo:

Mais campo na cidade* Mais cidade no campo*
. Agricultura vertical . Cobertura digital e teleserviços oferecidos
. Telhados e paredes verdes . Rede urbana e serviço comunitário ambulatório
. Logradouros, hortas urbanas e mercados locais . Parque agroecológico e circuitos curtos
. Jardins 4D . Plataformas digitais colaborativas
. Parque ambiental ou biológico . Quintas pedagógicas e terapêuticas
. Bosquete multifuncional . Campos de férias e aventura
. As artes da paisagem. . As artes da paisagem
*De acordo com os conceitos de paisagem global e continuum natural, todos estes elementos devem funcionar como infraestruturas ecológicas e corredores verdes, segundo uma conceção integrada de arquitetura paisagista e engenharia biofísica.

Estas infraestruturas e corredores verdes (CV) desempenham importantes funções agroecológicas fundamentais:

  • Em primeiro lugar, funções ecológicas: manutenção da biodiversidade, espaços naturais e habitats, ligações entre habitats para a circulação de espécies, materiais e energia, filtro natural à poluição das águas e atmosfera, fixação de poeiras, proteção dos ventos e regularização de brisas, regularização das amplitudes térmicas e humidade atmosférica, circulação da água pluvial e infiltração;
  • Em segundo lugar, funções sociais e económicas: espaços para recreio e lazer, abastecimento alimentar em produtos frescos, melhoria da qualidade ambiental, preservação do património histórico-cultural, valorização da qualidade estética das paisagens e controlo dos fatores de risco.

De resto, devemos falar de unidades operativas de raiz ecológica sempre que há uma obstrução biofísica e paisagística à criação de novas multifuncionalidades que se afiguram necessárias ao bom funcionamento das redes de uso do território. No fundo, depois da arquitetura e da engenharia civil, elegemos a arquitetura paisagista e a engenharia biofísica para repor muitos dos equilíbrios sociais e ecológicos que antes tinham sido quebrados.

À nossa frente, está, pois, um novo desenho dos espaços de relação cidade-campo que a arquitetura paisagista e a engenharia biofísica, mas, também, as artes da paisagem, colocam à nossa disposição. Em três planos principais. Em primeiro lugar, os espaços rurais de produção, com a agricultura de precisão e os sistemas produtivos locais à cabeça. Em segundo lugar, os espaços rurais de consumo, com as amenidades, os sinais distintivos territoriais e os serviços de recreio, lazer e turismo na primeira linha. Em terceiro lugar, os espaços rurais colaborativos, um universo muito amplo de atividades de interface cidade-campo e onde as plataformas digitais e os novos rurais desempenham um papel fundamental.

O hibridismo do espaço rural

Um segundo aspeto tem a ver com os mercados de futuro, as agriculturas AAA (agricultura, ambiente, alimentação) e, em consequência, o maior hibridismo do espaço rural. Desde logo, os novos mercados de futuro alargam a gama de produtos disponíveis em espaço rural, depois alarga-se, também, a tipologia de agriculturas AAA, finalmente, o hibridismo do espaço rural (produção, consumo e conservação) abre o caminho para muitas ações integradas de base territorial.

Os mercados de futuro alargam as agriculturas AAA e as AIBT

  • Os mercados da agricultura de precisão;
  • Os mercados dos produtos agroecológicos: os produtos limpos, naturais e denominados;
  • Os mercados do carbono: o papel dos fundos de investimento no sequestro do carbono;
  • Os mercados da água: a água da rede, as águas recicladas, a água da chuva;
  • Os mercados da biodiversidade e dos serviços de ecossistema;
  • Os mercados das amenidades, do ordenamento e artes da paisagem;
  • Os mercados dos 4R: reduzir, reciclar, reparar e reutilizar;
  • Os mercados da mitigação e adaptação em resposta às as alterações climáticas;
  • Os mercados dos alimentos funcionais e da biotecnologia alimentar;
  • Os mercados da micro geração e eficiência energéticas;
  • Os mercados da segurança alimentar e rastreabilidade dos produtos;
  • Os mercados da regeneração e da renaturalização de áreas ardidas.

A este elenco de mercados de futuro devemos acrescentar as ações integradas de base territorial (AIBT), algumas das quais poderão integrar o parque agroecológico urbano, por exemplo: as quintas pedagógicas e terapêuticas, os condomínios de aldeias, as áreas integradas de gestão paisagística, as áreas de paisagem protegida e as respetivas amenidades, os centros operativos tecnológicos e os laboratórios colaborativos, a gestão de um banco de solos, as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), as áreas de acolhimento, incubação e coworking, para jovens empresários rurais, entre outras.

O movimento starting up em meio rural

Esta última ação integrada de base territorial faz a passagem para o movimento starting up em espaço rural. O espaço rural é, cada vez menos, um espaço produtor e, cada vez mais, um espaço produzido. O mundo rural é, hoje, um palco imenso onde se desenrolam todas as representações do mundo atual, das mais paroquiais e populares às mais cosmopolitas e sofisticadas. Em boa verdade, trabalhamos mais com representações do mundo rural, quase todas de proveniência e inspiração urbanas, do que com o mundo rural propriamente dito. Estamos, portanto, numa situação transitória em que os valores específicos da ruralidade, mais tradicionais ou mais modernos, são objeto de apropriação por atores muito diversos que os usam para estratégias muito variadas. O que importa realçar, nesta altura, é a evidência de que o espaço rural se transmutou de espaço-produtor em espaço-produzido. Esta transmutação, feita essencialmente por agentes citadinos ou urbanos, significa umas vezes verdadeira modernização agrária, outras vezes conservacionismo moderado e/ou radical, outras turistificação vinícola, oleícola ou cinegética, outras vezes, ainda, simples elemento decorativo para “happenings” cosmopolitas, aproveitando a amenidade de uma barragem, de um rio ou outra ocorrência aprazível.

Chegados aqui, estamos em condições de elaborar uma primeira tipologia de startup da 2ª ruralidade. A economia digital e as plataformas colaborativas são um instrumento fundamental para alavancar novos projetos empresariais nos seguintes modos de agricultura:

  • As agriculturas de precisão, os modos intensivos de produção;
  • As agriculturas de nicho, denominações de origem e indicações geográficas;
  • As agriculturas sociocomunitárias, os circuitos curtos e os mercados locais;
  • A economia circular, a bioeconomia, a política dos 4R e os serviços ambientais;
  • As bioenergias, as redes e os serviços energéticos;
  • Os serviços ambulatórios ao domicílio, os programas de envelhecimento ativo;
  • Os serviços de reabilitação e restauro do património natural e construído;
  • Os serviços de produção de conteúdos para eventos criativos e culturais;
  • Os ambientes digitais inteligentes e a gestão de sistemas de informação.

A convergência entre transição ecológica, energética e digital será o grande motor desta nova fase. Se esta convergência for devidamente patrocinada, como parece ser o caso com o PRR e o PT 2030, poderemos estar na iminência de uma explosão de startups em espaço rural, embora nada garanta que elas não apareçam em ordem dispersa. Se tudo correr bem, poderemos ter uma economia colaborativa que tornará o capitalismo mais popular e genuíno, no sentido próprio dos termos e, assim, dar início à 2ª ruralidade onde a rede de cidades e vilas (região-cidade) e o seu parque agroecológico urbano serão uma genuína imagem de marca e um sinal distintivo para o século XXI.

Nota Final

Na década que agora começa temos os instrumentos e os meios financeiros suficientes para dar corpo e concretização a uma política de coesão territorial que corrija as assimetrias regionais entre o litoral e o interior. Os instrumentos rede de cidades (região-cidade) e parque agroecológico urbano (parque intermunicipal) podem dar um contributo inestimável para esse desiderato. O parque agroecológico urbano, em particular, será o novo lugar central da região-cidade e da 2ª ruralidade e pode acolher no seu seio muitas das ações e iniciativas que aqui enunciámos, das infraestruturas e corredores verdes aos mercados AAA, das ações integradas de base territorial às startups em meio rural. O principal estrangulamento ao patrocínio adequado desta nova abordagem é o modelo silo completamente ultrapassado das nossas principais instituições, totalmente viciadas em candidaturas e ajudas públicas para preencher a sua missão corporativa. A principal tarefa do próximo futuro é realizar a quadratura do círculo e pôr de acordo politécnicos, associações de municípios, associações empresariais e serviços regionais e no interior deste quadrado criar um centro de racionalidade que seja capaz de pôr alguma ordem na cacofonia ecológica e digital do mundo rural.