Muito tem sido escrito e dito sobre o facto de estas eleições europeias serem definidoras para Luís Montenegro. Depois da escolha de Sebastião Bugalho como cabeça de lista para as europeias (uma escolha arriscada, disruptiva e exclusivamente pessoal), qualquer resultado que não seja uma vitória da Aliança Democrática deixará Montenegro em maus lençóis. Será, muito provavelmente, o incentivo de que Pedro Nuno Santos e André Ventura precisam para intensificarem a guerrilha política e derrubarem, mais cedo do que tarde, o Governo da Aliança Democrática.
Até aqui, de resto, a pressão estava quase toda do lado de Montenegro. Depois de uma vitória tangencial nas legislativas, depois de 30 dias iniciais que ficaram muito aquém das expectativas que o próprio tinha criado, com um Governo bloqueado (por culpa própria, porque parece incapaz de conseguir consensos; e por culpa alheia, porque PS e Chega estão apostados em fazer vergar a AD), depois dos primeiros casos e casinhos que foram minando o estado de graça a que mal teve direito o novo primeiro-ministro, todos os olhos estavam postos na percentagem que Montenegro ia ou não conseguir nas europeias. A vitória era um obrigação, a derrota uma calamidade. Era esta a narrativa que estava montada e com alguma razão de ser — a pressão está sempre do lado do incumbente.
Tudo isto era verdade até quinta-feira, 9 de maio, dia em que Sebastião Bugalho e Marta Temido apresentaram os respetivos programas eleitorais. Num daqueles momentos que certamente escaparão à compreensão do comum mortal que se vai esforçando por tentar compreender a política nacional, Pedro Nuno Santos não só decidiu falar depois da candidata (e contribuir para que ninguém se lembrasse exatamente do que disse Temido), como decidiu declarar ao país, com a finesse de um paquiderme numa sala de porcelanas, que o PS quer ganhar a Europa para depois ganhar o país.
É verdade que a frase de Francisco Sá Carneiro (“A política sem risco é uma chatice”) tornou-se dogma. E bem, e bem. Seria de facto uma chatice que a política fosse um exercício assético. Mas há uma diferença substantiva entre o risco e a insensatez. Ao dizer o que disse (“Vamos ganhar as europeias para logo a seguir ganharmos Portugal”), Pedro Nuno Santos conseguiu três coisas extraordinárias: fazer das europeias um referendo à continuidade de um Governo que, apesar de tudo, está ainda longe de estar em cacos; dar um enorme pretexto a Montenegro para dizer que o PS não superou o resultado das eleições e que está sedento por voltar ao poder; e transformar umas eleições para Bruxelas num referendo também à sua própria liderança e ao seu papel como líder de oposição e candidato a primeiro-ministro. Transferiu para si próprio uma dose generosa de pressão, algo que vai atrapalhar mais do que ajudar o partido.
Com uma frase, uma única frase, atirada no final de um discurso interminável, à volta de uma ideia central que já não deu grande resultado nas legislativas (o papão de que a direita está a correr para os braços da extrema-direita), Pedro Nuno Santos arriscou a sua liderança ainda pouco madura (para lá da derrota nas legislativas, por números preocupantes, ainda está por medir se o PS está ou não a ser bem compreendido na oposição), entregou pontos aos críticos internos (que existem, que não gostaram destas escolhas e que lhe exigirão resultados) e ainda ofuscou por completo Marta Temido.
Este último aspeto talvez seja o mais difícil de explicar do ponto de vista político. Presumivelmente, a antiga ministra da Saúde foi escolhida como cabeça de lista por ser simultaneamente popular à esquerda e entre o eleitorado mais velho – neste caso em concreto, presume-se que mais popular até do que Pedro Nuno Santos. Uma conjugação difícil neste ciclo político e preciosa para o PS. Por outras palavras: Marta Temido foi escolhida por ser um trunfo, por valer como marca eleitoral e por não precisar do abraço do líder.
O PS, até pela posição em que partia (Montenegro estava e está obrigado a ganhar), tinha tudo a ganhar se estas eleições fossem sobre os méritos de uma ministra que teve de lidar com a pandemia mais grave dos tempos modernos e não sobre os méritos do partido enquanto alternativa imediata à Aliança Democrática. Ao fazê-lo de forma tão desabrida, Pedro Nuno Santos meteu a cabeça a prémio. Se ganhar, terão todos de reconhecer que foi de génio. Se perder, depois não pode dizer que as europeias não se prestam a leituras nacionais. Foi ele, mais do que ninguém, quem as nacionalizou. E veja-se o que aconteceu a António José Seguro.