Contrariando as previsões iniciais, amanhã ninguém vai poder celebrar o aniversário da invasão da Ucrânia. E ainda que esse apontamento notável possa ser desvalorizado pelo que agora sabemos acerca do excesso de confiança do governo russo, não é um feito menor a manutenção do governo ucraniano e da disputa por todo o território do país.
Ainda assim, nas últimas semanas a guerra tem dado menos notícias no terreno do que nas chancelarias. As batalhas continuam, com baixas assinaláveis mas sem progresso territorial, prolongando o impasse que tornou mais difícil perceber a política do conflito.
Sem que se perceba facilmente quem vai vencer – ou sequer se “vencer” é um conceito útil para analisar a Ucrânia do futuro – o posicionamento estratégico das últimas semanas aponta para a nova fase da política da guerra, uma em que a Europa e os EUA deixaram de reagir às evoluções dos combates para sinalizar publicamente o seu compromisso com uma vitória ucraniana.
Essa dinâmica começou a tornar-se clara com a discussão sobre o envio de tanques, numa altura em que não se adivinhava uma concreta ameaça russa que fosse imperativo travar ou um progresso ucraniano que dependesse de suporte, mas tem continuado como o leitmotiv da digressão de Zelensky pela Europa e da viagem de Biden à Ucrânia.
O novo investimento no esforço ucraniano tem fundamentos claros: os custos económicos da guerra foram absorvidos sem provocarem uma recessão profunda, enquanto o apoio à Ucrânia e as sanções à Rússia atingiram uma dimensão que tornava muito difícil justificar uma inversão de curso por esta altura. Por outro lado, a improvável resistência ucraniana cultivou a ideia de que era possível derrotar a Rússia e resolver a tensão na vizinhança europeia, mesmo que o governo russo já tenha sinalizado que o país está disposto a combater pelo tempo que for necessário, aceitando integralmente os sacrifícios económicos e militares dessa decisão.
Para além disso, o investimento na causa ucraniana tem como propósito simplificar desde já um conflito que poderia durar vários anos, extenuando a base de apoio político nos aliados e eventualmente terminar com termos vistos como (pelo menos) favoráveis à Rússia. Essa possibilidade é especialmente assustadora para a Europa, porque significaria que nem um investimento colossal teria impedido uma derrota num confronto indireto com a Rússia. Um ano depois, esse cenário tornou-se plausível ao ponto de justificar uma mobilização inédita dos meios europeus, expondo os seus stocks militares a um nível que torna difícil a sua recuperação para níveis anteriores a 2022.
A Europa ainda pode arriscar ser vista como apoiante de uma escalada no conflito, porque o primeiro ano correu melhor do que o esperado e porque a hipótese de resolver a insistência russa em conflitos na sua vizinhança tem um valor atrativo. Nessas circunstâncias, o apoio à Ucrânia continua forte na sociedade (segundo o Eurobarómetro publicado em janeiro, 73% dos europeus apoiavam o auxílio militar e financeiro que tem sido prestado) e oferece um caso raro de consenso na política europeia.
Para quem está mais distante do conflito, esse raciocínio é menos evidente. Na América, as sondagens vão apontando para a diminuição do apoio à Ucrânia, visto cada vez mais como uma opção dispendiosa e de esquerda, que aproxima o país da guerra sem produzir benefícios imediatos ou evidentes. Essa posição é cada vez mais difícil de desmontar, sobretudo a pouco mais de um ano de eleições presidenciais onde ninguém espera ver Donald Trump ou Ron DeSantis defender a “batalha pela democracia” que Joe Biden assegura estar a ser travada em Bakhmut.
A fadiga americana é um problema para a Ucrânia, mas também para a Europa, sempre subordinada à liderança dos EUA e ao papel da NATO. Um impasse prolongado não ajudaria Biden em campanha eleitoral, mas justificar um reforço do investimento poderia ser ainda mais difícil daqui a uns meses e a Europa não teria capacidade de assegurar por si esse esforço. Nesse contexto, a lógica subjacente aos acontecimentos das últimas semanas percebe-se melhor: reforça-se apoio enquanto a situação política o permite, com a expectativa de alterar o equilíbrio no terreno a favor da Ucrânia e provocar um resultado mais concludente nos próximos meses.
Um ano depois da invasão, são os EUA e a Europa a apostar toda a sua estratégia para a Ucrânia numa rápida clarificação do conflito. Desta vez não há muita gente a acreditar que isso seja possível. Alguns combates estão destinados a durar.