A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP-26) reafirmou o compromisso da redução de emissões de CO2 até 2030 para manter alcançável o objetivo de zero emissões até 2050 e do aumento máximo da temperatura em 1,5°C. Para cumprir os objetivos estabelecidos, os países deverão acelerar a eliminação do carvão, reduzir a desflorestação, acelerar a introdução de veículos elétricos e potenciar o investimento em energias renováveis. Destes quatro vetores, três têm relação com a transição energética.
Espera-se assim um novo equilíbrio do mercado energético que, com a invasão Russa à Ucrânia, verificamos ainda mais necessário. A pertinência de uma transição energética substancial e segura, agora reafirmada, deve fomentar a diversidade de tipos de energia, origens e tecnologias.
Ainda que o queiramos, esta transição não é gratuita, nem indolor e nunca será simplesmente comportamental (vejamos as 6 características decisivas identificadas por Mekala Krishnan e respetivos coautores). Precisamos de assumir os seus custos, não apenas económicos, e que muito pouco se conseguirá se nos cingirmos exclusivamente às fronteiras dos países desenvolvidos. Negar ou não querer olhar a custos e não apoiar quem menos beneficia ou se vê limitado por esta transição energética compromete o seu sucesso (num processo semelhante ao caso dos projetos eólicos no Istmo de Tehuantepec, México). A abordagem “não há riscos” ou “não há custos” é irreal, ilógica, não gera confiança e demonstra falta de empatia.
A transição energética não pode deixar de ser inclusiva e o seu sucesso está dependente de levar consigo todas as pessoas, num novo paradigma bem identificado pelo G20. Portanto, é indispensável uma visão solidária, global e integradora de todo o processo, reduzindo dependências bilaterais, estimulando a diversidade de origens e assegurando maior equidade. Mesmo que todos venham a ganhar com a transição (o que, por natureza, é muito discutível) deveremos olhar também às assimetrias da mudança. A diferença entre os que mais ganham e os restantes tende a gerar desconforto social e relações de força desproporcionais. No passado o mesmo sucedeu com a pobreza material: a taxa de população em pobreza extrema é metade da que se verificava há 20 anos, persistindo agora quase exclusivamente na África Subsariana. Contudo, as assimetrias sociais – crescentes no últimos dois séculos e que agora se começam a esbater – não deixaram de implicar tensão social e pobreza relativa, provocando, por exemplo, crises de refugiados, guerras civis e independentistas ou tensões entre nações.
No final do processo de transição, a média indicará certamente um ganho geral, mas ele será tanto maior e mais sustentado quanto menos pessoas, comunidades e países ficarem para trás. Teremos de ser capazes de levar todos. E não poderemos ambicionar uma mudança que traga países e comunidades pobres apenas a reboque. E como? Teremos de lhes dar protagonismo, tração própria, oportunidade de desenvolvimento e capacitação. E isso implica prescindir um pouco do nosso conforto, das nossas posses, do nosso foco e até do nosso tempo.
Partimos para a próxima COP, em África, com o carvão ainda a dominar a produção de energia elétrica. Partimos com um anterior acordo, na COP-26, de cooperação multilateral com dotação anual de 100 mil milhões de dólares. Partimos para a COP‑27, no Egipto daqui a 7 meses, com um enquadramento particular que deve fomentar o compromisso da transição energética junto dos países em desenvolvimento – mais ainda num contexto de instabilidade bélica. Aqui, a solidariedade internacional é necessária e estará à prova. Portugal, no enquadramento do REPowerEU da União Europeia para uma energia mais acessível, segura e sustentável, mas também no enquadramento dos PALOP, deve assumir a bandeira da solidariedade. Com o grande know-how nacional em energias de baixo carbono teremos de explorar o potencial de sinergias com países em desenvolvimento (como bem demonstra o estudo de M. Mercedes Cantarero). Devemos exportar este saber e competência no âmbito da cooperação internacional, garantindo compromisso e empenho de todos os países desenvolvidos.
Na COP-27, que tem especial foco na avaliação das ações necessárias para cumprir as metas climáticas, é fundamental desenhar um programa que permita fomentar a exportação de saber, capacidades e tecnologias (dando força ao desenvolvimento de cooperação climática). Estando comprometidos com a sustentabilidade, não devemos ficar pelo envio de tecnologia via Oceano Atlântico ou Pacífico rumo a sul. Devemos antes levar o saber fazer das empresas, apoiando-as, conferindo‑lhes estímulos à implantação em países em desenvolvimento e cobrindo, através de políticas públicas solidárias e multilaterais, eventuais riscos ou menores ganhos.
Não poderemos deixar que a transição energética seja um darwinismo económico e social em que sobreviverão apenas os mais adaptados. Também não conseguiremos, agora, dissociar sustentabilidade ambiental de segurança energética. É necessário então desenvolver políticas de reconversão, estímulo à adaptação e apoio a quem vai ficando mais para trás na corrida. Muito até porque a mudança será tão mais barata quanto mais integradora e tão mais segura quanto menos dependente. A transição energética tem custos e impactos. Assumindo-os chegaremos a um equilíbrio sustentável do ponto de vista social, ambiental e económico.