Numa entrevista recente ao Primeiro-Ministro António Costa, na TVI, Miguel Sousa Tavares utilizou como exemplo para suportar o que seria, para si, uma excessiva tributação, o caso hipotético de um jovem altamente qualificado que receberia 2700 euros como ordenado no seu primeiro emprego. António Costa terá respondido que “um jovem altamente qualificado não tem como primeira oferta de emprego esse salário nem nada que se pareça”, acabando esta passagem da entrevista por gerar polémica, nos dias seguintes, nas redes sociais e colunas de opinião.

Tendo acompanhado com atenção as reações, o que mais me surpreendeu foi constatar a forma cínica e derrotada como tanta gente ironizou com a possibilidade de auferir um salário de 2700 euros, ou de poder vir a ter uma casa de 250 mil euros, como se fossem ficções inatingíveis, nivelando por baixo as suas próprias ambições individuais. É, ainda, surpreendente a incapacidade geral para perceber o que nos trouxe até aqui.

Mas, afinal, porque razão em Portugal os salários são tão baixos?

As explicações óbvias e perigosas, influenciadas por tresleituras ideológicas, justificam as baixas remunerações, ou na elevada tributação, ou na ganância dos “patrões”. E se não podemos ignorar que a tributação tem um peso relevante no salário líquido, não faltando também “patrões” que, podendo, pagarão o mínimo possível para remunerar os seus trabalhadores, tais explicações não são suficientes. São, até, enganadoras, se pensarmos que não faltam países com níveis de vida mais elevados, onde a tributação é superior, ou de mercados laborais onde é difícil às entidades patronais contratar gente sem remunerar adequadamente a mão-de-obra.

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Ora, por mais que se tente fugir em permanência a esta questão, há que dizê-lo sem hesitações: a principal determinante do valor dos salários é a produtividade.

A produtividade, como apresentei num artigo aqui publicado em Julho, é o valor que retiramos da combinação dos distintos fatores de produção (ou seja, da combinação dos elementos necessários para criar valor, neles se incluindo, por exemplo, o trabalho, os equipamentos usados, o capital financeiro, a energia, a internet, o conhecimento licenciado, entre milhares de outros elementos). Como na culinária, onde a forma como se combinam os diferentes ingredientes pode dar lugar a iguarias deliciosas ou a pratos asquerosos, o mesmo acontece com a produtividade: combinar fatores de produção para criar valor não é uma receita tipo “bimbi”, sendo essa uma das razões pelas quais há países que extraem mais valor em cada hora de trabalho do que outros, podendo dar-se ao luxo de – se quiserem – trabalhar menos para sustentar o seu estilo de vida, e ganharem mais, com o tempo alocado ao trabalho.

Ora, se os salários são um dos fatores da produção, se o resultado da produção não é elevado, se não se cria valor, dificilmente há espaço para elevar salários. Do mesmo modo, não é por se elevar simplesmente os salários que a produtividade aumenta: se o resultado da combinação dos vários fatores não for o adequado, se o resultado da produção não for apto a gerir utilidades, se a produção não criar valor para alguém, então a alocação de meios não está a contribuir para a produtividade.

Assim, se parte do problema da produtividade está concentrado nas empresas e no tecido económico, uma parte significativa dos problemas da produtividade, em Portugal, resulta também da forma como é aplicada a despesa pública. Por isso, mais do que, apenas, contestar se os impostos são elevados ou não, é importante que se faça a discussão sobre a forma como a despesa pública influencia a produtividade geral do país. É que sempre que se investe em estradas que não são usadas, em escolas que não vão ter alunos fruto das alterações demográficas, se remuneram médicos que não estão a produzir consultas, se alimentam companhias aéreas condenadas à falência, não gerando utilidades, ou pagando excessivamente pelas utilidades criadas, estamos a penalizar a produtividade, logo, a penalizar o valor criado.

Por isso, por exemplo, quando o ministro da Educação nos anuncia que estima que cada aluno custe ao país 6.200 euros por ano, um “aumento brutal” face aos 4.700 euros estimados para o ano de 2015, é importante questionar se esse aumento se traduziu numa melhoria significativa da qualidade da educação dos nossos estudantes, da sua alimentação e saúde, das suas literacias, dos recursos tecnológicos à sua disposição, ou se, simplesmente, a alocação resulta, por exemplo, de uma diminuição do número de alunos, fruto da evolução demográfica do país. Já quando lemos que a simples emissão de um documento como o cartão do cidadão (um mero cartão de plástico onde os dados aí incorporados, para a maioria das pessoas, são os de sempre) é motivo para uma intervenção da ministra – não se riam – da Modernização do Estado e da Administração Pública, aos “berros”, numa Loja do Cidadão, abrindo um litígio com o Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e Notariado, percebemos rapidamente o porquê da nossa produtividade ser tão baixa.

Todos os dias somos confrontados com exemplos como estes que explicam, em concreto, por que razão em Portugal a produtividade é sistematicamente penalizada. São calvários para marcar consultas, exames que não se realizam, vidas que não se organizam à espera de Godot, como nos contava o Nuno Gonçalo Poças que, a 9 de Setembro e no portal das matrículas, continuava a aguardar resposta sobre a colocação da sua filha, perguntando: Como é que se espera que as pessoas façam a gestão das suas vidas se os resultados das matrículas são anunciados em cima do início das aulas?.

Na presente campanha eleitoral, temos vindo a ser presenteados com a sedução de um Plano de Recuperação e Resiliência que, diga-se, representa uma enorme alocação de capital que importa não desvalorizar. Não faltam, infelizmente, exemplos na história que nos mostram que, não obstante a liquidez, não fomos capazes de transformar as oportunidades em valor. Basta pensar como, apesar das Lojas do Cidadão, o pináculo da inovação administrativa dos governos socialistas, obter um simples documento de identificação continua, milhões de euros depois, a ser motivo de ansiedade e incerteza para milhões de portugueses.

Por isso, sempre que constatarem que os vossos salários são baixos, apesar das vossas supostas elevadas qualificações, queixem-se dos vossos “patrões”, mas lembrem-se, também, que é o vosso voto quem determina onde é gasto quase 50% do PIB, ou seja, metade da riqueza produzida pelo país, mais os fundos europeus e mais a dívida que, não obstante a suposta qualidade que nos é dada pela Moody’s, continua a crescer, ultrapassando todos os meses limites históricos e hipotecando as gerações futuras.

Se a qualidade da governação e das políticas públicas permanecer ao nível daquilo que nos tem sido dado ver por ocasião das eleições autárquicas e os eleitores continuarem a alimentar a mediocridade, os salários continuarão baixos e a miragem de uma vida estável, para os mais novos, passará, para a maioria deles, pela emigração, deixando o país depauperado daqueles que, em qualquer sociedade, fazem a diferença.