Os dados de mortalidade para os diferentes países da UE apresentam uma grande variabilidade — com os valores mais elevados per capita na Bélgica, Espanha e Itália, e taxas bastante baixas nos países do Leste da Europa. Como explicar estas diferenças? Que fatores determinarão que um país tenha uma taxa de mortalidade maior do que outro? É esta questão que começamos a explorar estatisticamente, embora os resultados devam ser considerados muito preliminares. De seguida, estes serão apresentados brevemente e de forma o mais simples possível. Esta exploração é fundamental, pois poderá servir de lição para políticas de saúde futuras.

Com as curvas epidemiológicas dos diferentes países já na fase descendente dos novos casos de infetados, ou a entrar nesta fase, existem dados que merecem ser analisados através de métodos econométricos. Certamente que se farão muitos estudos científicos sobre esta matéria, pelo que qualquer conclusão ou resultado estará sujeito a muitas revisões, sobretudo com dados desagregados a nível regional, ou sobretudo dados individuais, que ainda não estão disponíveis.

1 O fenómeno a explicar e os possíveis fatores explicativos

O que se pretende explicar é a variação da taxa de mortalidade entre países, para uma determinada data, utilizando um conjunto de fatores explicativos, através de regressão linear múltipla, e em cross-section. Traduzindo: como explicar para essa data a variação da taxa de mortalidade usando fatores explicativos para todos os países, que poderão refletir as causas dessa variabilidade. Como estamos perante 28 países europeus na nossa amostra, o número de fatores a escolher tem de ser muito limitado, por razões estatísticas.

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Os estudos epidemiológicos mostram que a mortalidade poderá ser tanto maior quanto pior for o estado de saúde de uma dada população e quanto mais envelhecida ela for. Como o estado de saúde pode ser caraterizado por múltiplos parâmetros, é necessário escolher um indicador sintético, o que não é fácil. Testamos três fatores: obesidade, esperança de vida saudável aos 65 anos e a taxa de mortes evitável na população. Esta última mede não só o estado de saúde, mas também a eficácia do sistema de saúde. Finalmente, existe uma outra variável que foi sugerida por uma professora universitária búlgara da Escola de Saúde Pública de Sófia, que é a prevalência da vacinação contra a tuberculose (BCG). Vários outros fatores podem influenciar a mortalidade. Um dos mais importantes é o grau de conectividade nacional e internacional, que pode ser medido pelo número de passageiros nos aeroportos do país.

Os epidemiologistas têm repetidamente aconselhado ao distanciamento social, e os modelos de simulação mostram que quanto mais cedo e mais intenso for esse distanciamento, mais achatada ficará a curva de infeções e menor será a taxa de mortalidade. É difícil captar com estes dados o efeito desta política, pois é o que os especialistas chamam uma variável endógena — isto é, está correlacionada com a taxa de mortalidade. Por exemplo, um país que tenha uma maior taxa de mortalidade irá fazer um lockdown mais intenso.

2 Alguns resultados preliminares e as conclusões possíveis

Comecemos por recordar a variável a explicar: a taxa de mortos devido ao COVID-19 por país, para o dia 27 de abril. Vamos considerar os seguintes fatores da mortalidade, que medem as condições de saúde das populações: (1) prevalência da vacina do BCG; (2) taxa de obesidade; (3) número de anos da esperança de vida saudável aos 65 anos; (4) taxa de envelhecimento da população; (5) taxa de mortes evitáveis; (6) percentagem das pessoas com mais de 65 anos com saúde; e (7) restrição do lockdown. Se estandardizarmos as variáveis, medindo numa escala de fatores favoráveis, e considerarmos que todos os fatores têm o mesmo peso, os países que estariam em condições para ter uma taxa de mortalidade mais baixa seriam Irlanda, Chipre, Finlândia, Malta e Suécia. Os que deveriam ter mortalidade mais alta deveriam ser Roménia, Hungria, e os países bálticos. O gráfico 1 mostra o índice de alguns países. Portugal, Espanha e Itália encontram-se em situação intermédia.

Gráfico 1

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Fonte: Cálculos do autor. Os dados dos indicadores foram todos recolhidos do Eurostat e OCDE. Os fatores explicativos são indicados no texto.

Por exemplo, Portugal beneficia da vacinação do BCG e tem uma taxa de obesidade de 20,8%, inferior à média de 23% da UE. Mas, por outro lado, as suas condições sanitárias não são favoráveis: o número de anos relativos à esperança de vida saudável aos 65 anos é de apenas 6,3 anos contra a média de 8,7 da UE; tem uma população mais envelhecida (6,3% contra 5% de pessoas com mais de 80 anos de idade); apenas 14,8% da população com mais de 65 anos está saudável; e a taxa de doenças evitáveis é também superior à média comunitária. Por outro lado, as restrições do lockdown estão ao nível intermédio.

Contudo, este tipo de análise não deteta a importância de cada um dos fatores. Para isso temos de recorrer à análise de regressão. O Quadro 1 apresenta os resultados de uma das regressões escolhidas, e mostra o impacto médio dos fatores representativos. A taxa de envelhecimento e a prevalência da vacina do BCG são as variáveis mais importantes, seguindo-se a obesidade e bastante menos aparece a conectividade.

Quadro 1

Fonte: Cálculos do autor

O Quadro 2 mostra os valores oficiais e os valores estimados para um conjunto de regressões de mínimos quadrados: Reg1 inclui a BCG, obesidade, esperança de vida saudável, envelhecimento e mortes evitáveis; a Reg2 deixa cair as mortes evitáveis e substitui a conectividade; a Reg3 deixa cair a variável da esperança de vida da regressão anterior e a Reg4 é igual à REg2 mas corrigindo a taxa de mortalidade oficial com 70% do excesso de mortes reportado no ensaio anterior.

Quadro 2

Fonte: Cálculos do autor

Como se pode observar, as estimativas conseguem reproduzir as grandes diferenças entre os países de baixa e alta mortalidade. Uma das limitações destes modelos é que produzem resultados negativos para quatro países com baixa mortalidade, o que indica que se deveria truncar a variável dependente.

Os resultados permitem três conclusões: (i) as taxas da Bélgica, Itália e Espanha e Irlanda estão bastante para além do que os modelos estimam; (ii) a Áustria, Dinamarca e Alemanha conseguiram reduzir a taxa de mortalidade muito abaixo das previsões do modelo; (iii) Portugal tem um resultado que não se afasta significativamente do previsível.

3 Conclusões

A principal conclusão, inovadora, deste trabalho, é que a prevalência da vacinação da BCG, política iniciada entre nós durante o Estado Novo no combate contra a tuberculose, é um fator fundamental da redução da mortalidade devida à Covid-19, tomando a amostra da União Europeia. Evidentemente que este resultado necessita de confirmação por testes da ciência médica, a nível individual, comparando um conjunto de pessoas que foi vacinada com outra que não foi vacinada (grupo controle). Até a sua confirmação não pode ser senão uma conclusão obtida a nível estatístico macro.

A outra conclusão é que as condições de saúde da população são igualmente importantes, como uma reduzida taxa de obesidade, e as condições de saúde sobretudo do grupo etário acima dos 65 anos. Estas conclusões já tinham sido obtidas por análise dos dados individuais de mortalidade observados em hospitais.

Toda a UE adotou medidas mais ou menos restritivas de lockdown, pelo que não existe suficiente variabilidade para se chegar a uma conclusão sobre a importância deste fator. Também não existe variabilidade suficiente para estudar a eficácia dos serviços de saúde. O que se observou até agora é que à parte determinadas regiões, como a Lombardia ou Madrid, os hospitais têm conseguido dar uma resposta às necessidades. Uma investigação mais aprofundada requer dados mais desagregados.