A história judaica é a história de um povo sem governo, sem país e sem idioma. O povo judeu não deve ser reduzido a sendo somente uma religião, uma raça ou uma cultura, porque ultrapassa os seus limites conceituais aceites. Reduzi-lo a qualquer um desses pontos seria mero reducionismo, pois ele é, na verdade, uma miscelânea das três, dando espaço a várias interpretações do que é ser judeu e, especialmente, de quem é judeu.

Por toda a história, vários impérios e nações oprimiram as suas populações judaicas ou tentaram eliminá-las completamente. Na Europa medieval, por exemplo, até por volta do ano 1000, os judeus tinham liberdade religiosa e influenciavam o desenvolvimento cultural e científico. Todavia, cem anos mais tarde, começavam a ser perseguidos pelos cristãos, uma vez que a Igreja Católica considerava os judeus como responsáveis pela morte de Jesus Cristo. Posteriormente, durante a Peste Negra, surto da peste bubónica que dizimou um terço da população europeia, os judeus foram acusados de ser os causadores da praga, levando a que se iniciassem vários ataques contra comunidades judaicas na Europa desse período.

Através destes exemplos, e de muitos outros semelhantes, é legitimo aceitar que a história do antissemitismo é parte integrante dos acontecimentos dos últimos milénios. No entanto, e de modo a tentar compreender de uma forma mais sucinta a perseguição constante do povo judaico, irei-me centrar primordialmente nos quatro últimos séculos.

Durante os séculos XVII e XVIII, grande parte da Europa encontrava-se ainda sob o regime da monarquia absolutista. Durante este período, por todo o lado, várias comunidades judaicas emergiam do povo para posições de enorme destaque, em virtude do seu enorme poderio financeiro, que lhes permitia financiar e administrar os negócios do Estado. Com a revolução-francesa e o surgimento do Estado-Nação, foi necessário recorrer a mais crédito, que só os grandes grupos judeus poderiam financiar. Como consequência desse financiamento, deu-se uma crescente concessão de privilégios aos judeus, sendo-lhes, mais tarde, atribuída a emancipação em quase todos os Estados-Nação da Europa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Como seria de esperar, esse período não prevaleceu o tempo necessário. O antissemitismo implodiu, na história recente, durante o império prussiano, logo após a derrota sobre Napoleão III. A nobreza, derrotada e enxovalhada no decorrer da guerra, viu a classe média ascender aos cargos de maior exclusividade – onde se contavam, claro, inúmeros judeus. A classe aristocrática, desprovida dos seus privilégios, e vendo os judeus a almejar as suas antigas posições de poder, desencadeou uma onda de antissemitismo.

Volvidos uns anos, com a realização do Congresso de Viena, a nobreza prussiana recuperou grande parte dos seus privilégios e da sua influência – utilizando-os, desse modo, para orquestrar uma divisão entre os judeus “bons” ou úteis e os judeus “maus” ou inúteis. Essa situação fez com que diversas teorias da conspiração envolvendo judeus fossem espalhadas pela Europa. Nesse contexto, surgiram políticos e partidos que tinham no discurso antissemita um dos seus motes, tornando-se comum a realização de ataques concentrados contra comunidades judaicas.

Séculos depois, com o fim do século XIX e o aparecimento do imperialismo, a parceria entre os Estados-Nação e os judeus terminou, uma vez que os negócios já não poderiam ser efetuados sem a intervenção do próprio Estado. Os Judeus perdiam, assim, a sua posição privilegiada de vez. Sem poder, sem protagonismo e sem privilégio os judeus desligaram-se da sociedade. Porquê?

Tradicionalmente, tende-se a achar que os principais movimentos antissemitas nascem num período em que os judeus acumulam maior poder, contudo isso não corresponde à verdade. Um exemplo disso é, aquando da ascensão de Hitler ao poder, os judeus já quase tinham perdido a sua posição dominante na sociedade. Mas, então, o que é que faz com que certas pessoas perseguissem grupos impotentes ou em processo de perder poder? Hannah Arendt diz-nos que geralmente o sentimento anti-judaico adquire importância política somente quando pode ser combinado com uma questão política importante ou quando os interesses de grupos de judeus entram em conflito aberto com os de uma classe dirigente ou aspirante ao poder.

Percebe-se, a partir desse ponto, que o ódio organizado contra os judeus surge como reação contra a sua importância e o seu poderio: os judeus são vistos frequentemente como um bode expiatório. Uma das maiores provas é o caso da campanha de ódio protagonizado por Hitler contra os judeus.  De modo a elevar a raça ariana à mais prestigiada entre todas as outras, viu, no povo judaico, o bode expiatório de que necessitava. O contraste perfeito com a raça ariana. Segundo Hitler, e ao contrário da raça ariana, o povo judeu era a fonte de todos os males do mundo e do tempo. Alegou, como muitos governantes anteriormente tinham feito, que era impossível conhecer a história da humanidade sem conhecer o papel nocivo e conspirador do povo judeu – como era o caso do tratado de Versalhes, que tinha, segundo as palavras de Hitler, humilhado o povo germânico e fora resultado de uma conspiração do judaísmo internacional e dos seus banqueiros judaicos.

Mas porque é que Hitler utilizou um bode expiatório? Bem, a imposição de um regime totalitário requer a utilização de uma ferramenta de terror como instrumento intrínseco para a realização de uma ideologia especifica. Neste caso, e de modo a cativar as massas, Hitler escolheu de forma minuciosa o povo judeu como seu bode expiatório. Sendo o povo judeu um grupo que durante toda a sua história sofreu das mais variadas tentativas de aniquilação, a sua escolha era perfeitamente natural. Tratando-se os judeus de um problema eterno de todas as civilizações, desde o Egito, à Roma Antiga ou até à III República Francesa, a matança e a perseguição deste povo acaba por estar presente em toda a cultura histórica, não havendo a necessidade de apresentar grandes argumentos que justifiquem a sua perseguição. Nos campos de extermínio nazi, os judeus eram brutalmente assassinados através de doutrinas de ódio sem justificação de base: não interessava o que tinham feito, interessava o que eram. Judeus.

Infelizmente, e apesar de hoje vivermos numa sociedade que se considera democrática e tolerante, continuamos a assistir por todo o mundo a uma onda de antissemitismo crescente, onde sinagogas são incendiadas, comunidades judaicas são perseguidas e uma vaga de ódio se instala na internet.

Sempre foi fácil acusar o judeu. Parece que continua a ser.