A minha Pátria é chispa do fogo divino dos Celtas, é filha da ousadia guerreira dos Lusitanos de Viriato, desafiando o maior dos impérios que o mundo já conheceu, com sede na mítica e poderosa Roma! Nasceu aqui a identidade e a vontade inquebrantável de independência e liberdade da minha Pátria!
Mas a minha Pátria é igualmente herdeira da cultura clássica e filosófica dos Gregos, discípulos aplicados da cultura maior do Egipto, da ordem e organização jurídica, administrativa e militar de Roma, influências sempre caldeadas pela cultura e civilização dos Celtas, Fenícios e outros povos de culturas vincadas e remotas.
A minha Pátria é judaico-cristã há mais de 1500 anos, mas recebeu do sul o raro privilégio do tempero muçulmano, trazido por Tariq em 711, que se eternizou e manteve com a graça do divino, nos hábitos e costumes, na língua, na arquitectura, na estética, mas também na matemática e noutras áreas do saber. Ficou-nos sobretudo uma cultura de tolerância inter-religiosa que, até muito tarde, permitiu a convivência pacífica de cristãos, judeus e muçulmanos, onde Moçarabes e Cristãos Novos coexistiram pacificamente com outras origens religiosas e crenças de partida.
A minha Pátria é fruto da reconquista cristã iniciada com a vitória de Pelayo em Covadonga, nas Astúrias, e continuada pela Família Real Leonesa até ao despontar da nossa vontade de sermos Pátria e Nação, com identidade e cultura próprias. Fundou-se com a coragem e génio militar de D. Afonso Henriques e seus apoiantes, na Batalha de S. Mamede a 24 de Junho de 1128, contra os irmãos galegos Peres de Trava, tomados ambos de amores por D. Teresa, sua mãe; reforçou-se em Ourique em 1139, sob a égide da espada flamejante de Santiago, o Matamouros; formalizou-se perante o Reino de Leão em Zamora em 1143; e viu-se definitivamente reconhecida pelo Vaticano, através da bula Manifestis probatum do Papa Alexandre III, em 23 de maio de 1179.
De 1128 até ao reconhecimento papal de 1179 houve muito sangue, suor e lágrimas, mas também muita habilidade diplomática, a que não são alheios os Templários de Hugo de Payens, doutrinados pelo primo de D. Afonso Henriques, São Bernardo de Claraval, grande reformador da ordem Beneditina e fundador da Ordem de Cister, por muitos considerado, com propriedade, o Pai espiritual de Portugal. Se da guerra e reconquista trataram os homens da Ordem do Templo, da diplomacia e estruturação política do Estado cuidaram os Monges Regrantes do Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, com destaque para João Peculiar e S. Teotónio.
Em 1147, S. Bernardo reforça o seu papel de tutor espiritual da Nação portuguesa ao negociar a participação dos cruzados na conquista de Lisboa aos Mouros, consolidando a sua ligação com Portugal, depois da instalação da Ordem de Cister no nosso País em S. João de Tarouca em 1142, seguida dos Mosteiros de Salzedas e mais tarde de Alcobaça, hoje justamente reconhecido como Património da humanidade.
A minha Pátria é fruto do génio político-estratégico de D. Dinis que, depois de negociar com Castela e Leão a mais antiga fronteira da Europa em Alcanizes, ao invés de perseguir e matar os Templários e a sua ordem, onde foram iniciados o Conde D. Henrique e o seu filho, nosso Rei fundador, conforme determinaram o Papa Clemente V e o Rei Francês Felipe IV, converteu-a na Ordem de Cristo, com a missão de defesa dos nossos mares, criando desta forma a Marinha portuguesa. D. Dinis criou assim “os cavaleiros dos mares” como lhes chamou o Padre António Vieira mais de três séculos depois, lançando as bases do movimento dos descobrimentos que viriam a despontar com a conquista de Ceuta.
A minha Pátria fez-se a 14 de Agosto de 1385 em Aljubarrota, com a coragem do nosso Mestre de Aviz, D. João I, e com o génio militar de D. Nuno Alvares Pereira, contra uma parte importante da nossa Nobreza que se tinha vendido a Castela por algumas promessas de prebendas e outras mordomias. Fez bem a D. João I ter nascido filho bastardo de um Rei, arregaçando as mangas e afirmando-se junto das famílias Reais europeias com a primeira conquista de um País europeu fora da Europa, organizando a maior operação anfíbia até àquela data, conquistando Ceuta a 21 de Agosto de 1415.
A partir daqui, o génio visionário e a teimosia do nosso Infante D. Henrique, o Navegador, o patrocínio da nossa corte e o conhecimento e meios da nossa Ordem de Cristo fariam o resto, lançando Portugal na maior das suas epopeias, os descobrimentos, celebremente imortalizados na obra prima da literatura portuguesa, os Lusíadas de Luis Vaz de Camões.
As batalhas em Marrocos contra os ditos infiéis foram feitas de glórias e tragédias, sendo que carregamos mais cicatrizes destas últimas do que palmas das primeiras. A coroar este esforço inglório fica-nos a Batalha de Alcácer Quibir, onde deixámos o nosso jovem Rei Sonhador e grande parte das nossas elites, numa empreitada militar que tinha tanto de ambiciosa quanto de insensata. Como sempre tem acontecido ao longo da nossa história, enganaram-se aqueles que em 1578, depois da catástrofe, anunciaram o fim de Portugal. Aqui Del Rei que perdemos o Rei, a Nobreza e a Fidalguia e não há Pátria que resista!
Mas Portugal resistiu porque, mais uma vez, os pensadores eruditos do tempo, esqueceram-se que a Pátria foi sempre fruto da vontade indómita do nobre povo que, prostrado no chão e entregue ao abandono próprio dos vencidos, sublimou mais uma vez a tragédia e inventou o “Desejado”, que haveria de voltar numa manhã de nevoeiro, por pior que fossem as intempéries do tempo e dos povos. E assim foi descobrindo o nosso povo, durante décadas, o Rei D. Sebastião em Itália e em muitos outros locais, que nos eram permitidos pela nossa capacidade mítica de resistir, de sonhar e de esperar pela salvação nacional.
A minha Pátria foi terra de Reis de dois Reinos, os Filipes de Castela, em que o primeiro cumpriu os acordos que fez com o Reino de sua Mãe, Isabel de Portugal, filha primogénita de D. Manuel I, sendo que o filho e neto, dotados de menos inteligência e sensatez políticas, ignoraram os acordos do primeiro e trouxeram-nos o tal “Rei desejado”, encarnado na figura de D. João IV, empurrado pela vaidade de D. Luísa de Gusmão, “antes Rainha por um dia, do que Duquesa toda a vida!”.
A minha Pátria é branca, negra e sobretudo mestiça, carregando na pele o cheiro impregnado da pimenta, do cravo e da canela da Índia, bebendo o chá e vestindo a seda da China, trazendo no pulso a prata do Japão e no pescoço o ouro de S. Jorge da Mina e do Brasil. Mas a minha Pátria traz igualmente dentro de si o perfume dos trópicos, a batata do Brasil, os quiabos de Angola, o caril de Moçambique e de tantas outras paragens, num movimento contínuo de levar e de trazer, de dar e receber, de vender e de comprar, ou simplesmente de trocar, em que o segredo esteve sempre muito mais na convivência pacífica e na capacidade de nos adaptarmos a outros povos e culturas, integrando-os, do que em fazer a guerra ou tentar dominar, porque franciscana era a nossa matriz natural. Mas é também a água, o sal e os odores dos mares e oceanos do planeta, onde deixámos o vinco e a marca do calado das nossas naus e caravelas e as lágrimas e a carne dos nossos marinheiros e navegadores.
A minha Pátria é produto mítico-filosófico das professias de Bandarra, de Camões, do Padre António Vieira e de Fernando Pessoa, num movimento sempre inacabado de construção da era anunciada por Joaquim de Fiore no século XII, que depois da idade do Pai, Deus (Antigo Testamento), com centralidade física em Jerusalém, da idade do Filho, Cristo (Novo Testamento), com centralidade física em Roma, viria a idade do Espírito Santo e o Reino da fraternidade Universal, em sintonia com a ideia do V Império de António Vieira e Pessoa, com centralidade em Lisboa, Rainha dos mares!
Deste movimento mítico-filosófico ficam-nos os descobrimentos dos Templários, tornados Cavaleiros dos Mares por D. Dinis, e as festas do Espírito Santo patrocinadas pela sua mulher, a nossa Rainha Santa Isabel, com expressões únicas a nível mundial na festa dos Tabuleiros em Tomar e, sobretudo, nas festas do Espírito Santo nos Açores. Para nossa sorte e benefício, quis o destino que D. Dinis e a Rainha Santa fossem Joaquimitas confessos, apesar da oposição da Santa Sé e do clero dominante!
A minha Pátria foi feita Império pluricontinental pela acção estratégica e determinada do nosso Príncipe mais que perfeito, D. João II, que revolucionou a geoestratégia e o comércio mundiais ao definir como desígnio nacional encontrar o caminho marítimo para a India e o Reino cristão do Preste João, contornando o Cabo das Tormentas, a quem conseguiu dar o nome de Cabo da Boa Esperança, atirando para o caixote do lixo da história o mito do gigante Adamastor. Da armada de Bartolomeu Dias viriam, em 1488, as boas novas que confirmariam as teses dos nossos navegadores, cosmógrafos e matemáticos, que seria possível chegar à Índia pelo sul, retirando o monopólio do comércio das especiarias a Árabes, Venezianos e Genoveses, tornando a Lisboa do século XVI a Capital do Comércio mundial e a mais cosmopolita da Europa. Quis o destino que o cálice da glória fosse erguido pelo seu sucessor e primo, D. Manuel I, herdeiro afortunado de uma estratégia milimétrica e teimosamente seguida pelo nosso D. João II, considerado por muitos o criador da Ciência moderna.
A minha Pátria é profunda devedora aos navegadores e marinheiros que calcorrearam mares e oceanos e que trouxeram ao nosso conhecimento dois terços da superfície da terra, como são exemplo, Vasco da Gama, Bartolomeu Dias, Pedro Alvares Cabral, Diogo Cão, João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira, Gonçalo Cabral, entre tantos outros.
Mas a minha Pátria é igualmente fruto do pensamento de Antero de Quental, de Eça de Queirós, de Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão e do bucolismo de Teixeira de Pascoaes; dos modernismos de Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Almada Negreiros, e de José Régio, Gaspar Simões, António Sérgio, Aquilino Ribeiro e de Miguel Torga, entre outros, assim como do Integralismo Lusitano de Francisco Rolão Preto, Alberto de Monsaraz, Hipólito Raposo e António Sardinha.
A minha Pátria é esperança de monárquicos e chama de republicanos, de homens do Estado Novo e das esperanças de Abril.
Mas a minha Pátria é sobretudo obra da resiliência, do querer e da vontade inquebrantável do seu nobre povo que, contra todas as previsões de estrategas e conhecedores da geopolítica, resistiu sempre e sobreviveu às maiores tragédias, fez-se grande pelo génio, trabalho e ousadia das suas gentes, e é hoje exemplo de terra de tolerância religiosa, étnica, social, cultural e política.
A minha Pátria é a cabeça e cara da Europa, conforme escreveu Camões e o desenhou Lima de Freitas (ver abaixo), sendo o seu cais atlântico, com banhos de Mediterrâneo a sul, assumindo-se como ponte natural para o mundo. Não é periférica na Europa porque é central para o mundo, trazendo para a Europa uma experiência com mais de 600 anos de ir e voltar, levando e trazendo, comprando e vendendo, aprendendo e ensinando, ganhando e perdendo, mas, sobretudo, integrando e mediando culturas e civilizações, revelando-se aqui a maior das suas virtudes e porventura o seu permanente e nobre desígnio.
A minha Pátria, e esta é a parte que não deveria ser dita para evitar a cobiça dos invejosos, é a melhor de todas as Pátrias, porque é Pátria de muitas Pátrias, feita e construída a partir de gentes de múltiplas e diversas Pátrias!
A minha Pátria, e não deveria dizer isto para evitar a cobiça dos invejosos, é a melhor de todas as Pátrias, porque é Pátria de muitas Pátrias, feita e construída a partir de gentes de múltiplas e diversas Pátrias!