A história das relações bilateriais entre Portugal e China é bastante antiga, contando com uma longevidade que ultrapassa a própria existência de muitos países. Tal como a maioria das relações entre nações, as de Portugal e China tiveram os seus altos e baixos. Existe no entanto um denominador comum ao longo destes mais de 500 anos, que é o pragmatismo de Portugal quando aborda a China. Na atualidade, esse pragmatismo tem sido bastante benéfico, principalmente na área económica, onde o país conta com uma série de investimentos chineses, em sectores tão distintos que vão desde a energia à banca, e onde as relações comerciais têm tido uma evolução francamente positiva. A forma como Portugal gere este pragmatismo com os chineses tem impedido a maioria dos choques com aliados, como os EUA, que como tem sido visível, têm vindo a aumentar a pressão relativamente à China, por uma série de razões de ordem geopolítica.
Neste momento chegamos a uma situação onde esta relação pragmática é cada vez mais dificil de gerir, fruto do aumento de tensões entre o ocidente e a China, que tem tido episódios cada vez mais difíceis e onde a invansão da Ucrânia por parte da Rússia não veio ajudar particularmente. O aparecimento de novas tecnologias de ponta, como é o caso da inteligência artificial e o 5G, fez com que estas também se tornassem num potencial foco de incidentes envolvendo a China. Diria mesmo que essas tecnologias atualmente representam uma das vanguardas destas fricções geopolíticas. Porquê? Porque essas tecnologias vão praticamente gerir a maioria dos aspetos das nossas vidas no futuro. Não falo apenas nas nossas casas, mas também em outro tipo de aplicações, como a nivel militar, onde irão garantir vantagens muito importantes a quem as possuir. Essa é a razão que está relacionada com a recente exclusão de operadoras chinesas do 5G em Portugal, como é o caso da Huawei.
Neste caso especifico, o principal argumento é o receio de fuga de informações, espionagem e roubo de propriedade intelectual por parte de uma empresa, neste caso a Huawei, que legalmente estará obrigada a ceder informações ao Governo chinês, caso este o solicite. Por outro lado, haverá também o receio futuro de coerção e controlo tecnológico, tendo em conta que o 5G vai estar intimamente ligado à “internet das coisas”, e portanto dispositivos tão mundanos como uma máquina de lavar vão poder ser controlados de uma forma muito pormenorizada à distância.
É aqui que esse pragmatismo fica cada vez mais dificil de executar, mas isso não quer dizer que seja impossível. Por mais diferentes que sejam Portugal e China, o país tem um papel muito relevante enquanto mediador das relações daquela que é a segunda maior economia mundial e o Ocidente, fruto de uma relação muito peculiar que tem com os chineses. Esta relação permite a abertura de portas que de outra forma seriam bastante dificieis de abrir. Portugal é uma economia muito reduzida, quando comparada com a China, mas é um parceiro que faz a diferença nos interesses chineses na América latina (Brasil) e na África lusófona. E, claro, temos de considerar também Macau. Tudo isto não invalida o facto de o 5G ser um tema sensível e recheado de problemas e questões. Existem questões muito sérias para reflectir, no que toca a envolvência de operadoras chinesas no “core” e nos equipamentos do 5G, e esses problemas devem ser abordados e devidamente considerados. Mas deve o Governo de António Costa prejudicar uma oportunidade de sermos relevantes no palco internacional, enquanto mediadores das relações entre potências, devido a uma decisão que muitos poderão considerar precipitada?
Portugal é um dos primeiros países na Europa a tomar uma decisão neste sentido, de exclusão total, sendo que a situação é agravada por ser feita sem negociação ou os devidos esclarecimentos com as operadoras envolvidas. Esta situação abre a possibilidade de poder haver sérias acusações de discriminação e atropelamento do Estado de Direito. Países como a Alemanha ou França, que têm regras securitárias mais rígidas que Portugal, ainda não procederam a uma exclusão total de empresas como a Huawei (existem limitações, mas não a exclusão). Se tal não se verifica, qual a razão para Portugal tomar a dianteira em tal matéria e assim prejudicar não só as relações com uma economia da dimensão da China, mas também o papel de Portugal enquanto ponte entre nações e civilizações tão importantes e tão dispares entre si. Esta é uma visão que prejudica os interesses do país a longo prazo, sem que haja uma razão séria para que tal aconteça.
De momento, e mesmo considerando a deliberação que saiu da Presidência do Conselho de Ministros sobre este assunto, o importante é voltar ao diálogo construtivo e perceber de que forma poderemos voltar ao velho pragmatismo. Perceber como poderemos atenuar os possíveis problemas na gestão do 5G, sem que prejudiquemos o nosso espaço na arena internacional. Existem cada vez menos áreas onde Portugal pode fazer a real diferença a nivel internacional, e portanto, não nos podemos dar ao luxo de prejudicar os interesses do país procedendo a decisões questionáveis em termos de resultados futuros.