O incêndio da noite de sábado, 5 de fevereiro, na Mouraria, em Lisboa, fez saltar para as páginas dos jornais o submundo das condições em que vivem muitos imigrantes em Portugal. Em tal infortúnio morreram dois migrantes e 14 ficaram feridos. O incêndio deflagrou num minúsculo apartamento onde coabitavam 22 pessoas. O espaço servia de dormitório, sendo cada centímetro aproveitado até ao limite.

Tem aumentado o número de casos que são tornados públicos de migrantes a viver em Portugal em condições de privação de habitação, sobrelotação e de exploração. Chegamos a extremos em que migrantes vivem à chegada a Portugal situações de sem-abrigo, como recentemente aconteceu com a comunidade timorense. O número de estrangeiros em situação de sem-abrigo tem vindo a aumentar, engrossando as estatísticas.

O movimento de pessoas de países pobres para países ricos é um processo económico simples, mas os seus efeitos são complexos. A política pública sobre migração precisa de saber lidar com essa complexidade. Não basta, por isso, abrir apenas as portas à regularização.

Portugal é conhecido pela sua deficitária política nacional de habitação. A falta de acessibilidade a uma habitação condigna no nosso território é um obstáculo ao bem-estar dos grupos mais vulneráveis, onde se incluem os migrantes. Estes migrantes enfrentam condições precárias e inadequadas nas habitações a que vão acedendo a muito custo. Mas se a política de habitação é pouco generosa, quase inexistente, a política de imigração em contrapartida é vista como facilitadora: um íman à entrada de novos migrantes oriundos de países extremamente pobres que procuram chegar a território europeu. Estes imigrantes de países muito pobres e pouco desenvolvidos trazem consigo o sonho de melhorar as suas condições de vida e, simultaneamente, enviar dinheiro para as suas famílias que permanecem ainda nos seus países de origem.

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Como podem estas duas políticas (imigração e habitação), cujo desempenho em Portugal é antagónico, coexistir em prol de uma efetiva integração?

Muito recentemente, a 25 de agosto de 2022, foi aprovada a Lei nº 18/2022, mais um marco na generosidade de Portugal em receber migrantes. Esta Lei altera o regime de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do território nacional, e cria condições para a implementação do Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, celebrado em Luanda em 17 de julho de 2021. Deste modo, entre outras, esta lei inclui alterações à Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, relativa ao Regime de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do território nacional, com o objetivo principal de facilitar o processo de obtenção de vistos, contribuindo para a regularização.

A Lei nº 18/2022 criou a figura jurídica de um visto para procura de trabalho; tal visto habilita o seu titular a entrar e permanecer em território nacional em busca de trabalho. O visto é concedido para um período de 120 dias, prorrogável por mais 60 dias e permite apenas uma entrada em Portugal. Este novo visto possibilita entrar e permanecer em Portugal sem qualquer garantia de que o migrante irá encontrar trabalho, e, simultaneamente, autoriza o seu titular a exercer atividade laboral dependente, até ao termo da duração do visto ou até à concessão da autorização de residência.

Mas até encontrar emprego em que condições fica o imigrante a residir em Portugal? E mesmo que o imigrante encontre emprego, em que circunstâncias irá sobreviver com os preços da habitação em Portugal?

Podemos assim afirmar que as alterações mais recentes à Lei de Estrangeiros potenciaram a imigração clandestina e a exploração laboral, como confirmam as últimas notícias que têm vindo a público. Esta situação tem envergonhado Portugal como um Estado-membro europeu onde se assiste a um contexto de violação dos direitos humanos.

Naturalmente, as cidades são os espaços que oferecem melhores oportunidades de emprego. As áreas urbanas são polos de atração para onde se deslocam os migrantes. A investigação do papel das cidades na europeização das políticas de migração demonstra as dificuldades da integração nas cidades dos migrantes e chama a atenção para a discussão da integração destes novos residentes, especialmente quanto aos domínios da habitação e do mercado de trabalho.

Não basta por isso ter uma política de imigração generosa que produz o efeito de “chamada” quando tal política não é acompanhada de medidas, programas e recursos que promovam a integração social desses migrantes: ambas as políticas (imigração e habitação) são função e responsabilidade do Estado Social. Para querer receber é necessário estar preparado para acolher.

As atuais políticas governamentais não acautelam o efeito perverso da sua generosidade: ao deixar entrar fluxos migratórios em Portugal, estimulando tais movimentos de chegada, mas abandonando os migrantes em contextos de violação dos direitos humanos. O legislador não acautelou, assim, que tais alterações legislativas produzissem e potenciassem um efeito de imigração em massa, sem que para tal Portugal tivesse capacidade de resposta de acolhimento ao nível das diferentes áreas dos serviços promotoras de bem-estar (habitação, saúde, proteção social, emprego, educação).

Pode afirmar-se perante esta atitude de desresponsabilização por parte do governo central que Portugal tem uma política “amiga” dos imigrantes? Ou estamos perante uma prática com consequências graves para coesão social e acima de tudo para os próprios imigrantes? Portugal está a falhar nas políticas de integração dos migrantes, aumentado a segregação espacial e sendo percetível o surgimento de novas tensões sociais. A ascensão de partidos populistas na Europa reflete as preocupações das pessoas comuns sobre a imigração.

Os migrantes estão abandonados pela ausência de controlo da forma como ficam a viver em Portugal, sujeitos à exploração pelo mercado negro de emprego, à degradação das suas condições de saúde e remetidos para zonas de invisibilidade quanto aos seus direitos humanos. Acabando, muitos dos imigrantes, após caducidade dos vistos, por ficar em situação irregular e de clandestinidade, alvos fáceis para a exploração ou práticas de criminalidade.

A imigração em massa e sem controlo e apoio para o acolhimento e integração dos novos residentes põe em risco os sentimentos de solidariedade nacional, o que, por sua vez, parece conduzir as sociedades ocidentais a uma direção perigosa de aumento de movimentos anti-imigração. Parece assim, que as recentes alterações legislativas têm o efeito exatamente oposto ao que se propuseram: vanguardistas no espírito e redação da Lei e inconsequentes na não afetação de programas e recursos de integração.

Portugal sempre teve na sua história uma atitude social de inclusão dos novos migrantes, mas atualmente o fenómeno da migração é totalmente diferente, quer pelas nacionalidades acolhidas, quer pelo aumento da exploração a que estes migrantes estão sujeitos. Estamos perante um momento crucial em que ou investimos na nossa capacidade de acolher, definindo para tal programas e estruturas de integração da imigração no nosso país, ou caminhamos para um cenário negro de maior hostilidade e clivagem social. Temos de ter a coragem de admitir imigrantes de acordo com as necessidades do país e a capacidade financeira de Portugal em promover condições de integração.

A imigração é necessária para o desenvolvimento e sustentabilidade da economia portuguesa, pelo decréscimo da população autóctone, mas o processo só é vantajoso para ambas as partes quando se promove a integração social, as interações sociais e o sentimento de pertença à comunidade, o que resulta naturalmente num capital social e humano para as sociedades.

Não basta criar leis que potenciam a regularização em massa dos imigrantes sem adequar medidas e programas que vão além do corpo teórico de uma qualquer legislação. O bom acolhimento e integração dos diferentes migrantes é a chave em prol da coesão social e da sustentabilidade da sua permanência no país. As políticas não devem oscilar entre a porta aberta favorecendo as necessidades de mão de obra e a porta fechada preferida pelos eleitorados em acentuados movimentos populistas resultantes da demissão da função integradora dos governos. Assim, a porta não deve estar totalmente “aberta” ou “fechada”, devendo permanecer “entreaberta” e tendo como limite de abertura a efetiva capacidade do país em promover a real integração social integral desta população migrante.