A invasão da Rússia à Ucrânia e as proporções mundiais do conflito – que, até ao dia de hoje, não tem resolução à vista – obrigaram os membros da NATO a aumentar os seus gastos militares em Defesa, uma área há várias décadas depauperada e pouco valorizada na maioria dos países que integram o bloco ocidental.
De facto, em 2022 assistimos a um dos maiores aumentos das últimas décadas nas despesas militares a nível mundial, segundo um estudo publicado em abril pelo Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (SIPRI): à boleia da resposta dos países à invasão russa e do agravamento das crescentes tensões geopolíticas na região da Ásia-Pacífico, os gastos em Defesa aumentaram globalmente 3,7% em comparação com 2021, num total de 2,240 biliões de dólares.
Desse total, 56% foi repartido entre Estados Unidos, China e Rússia, com os EUA a assumirem 39% da despesa militar mundial e a continuarem a ser o país que mais gasta em meios militares: três vezes mais do que a China, o segundo país com maior investimento em Defesa.
O estudo em causa revela, ainda, que os gastos militares dos Estados-membros da NATO, no seu todo, atingiram os 1,232 biliões de dólares em 2022 – mais 0,9% do que no ano anterior.
E Portugal? Apesar de não ter sido contemplado no estudo supracitado, o nosso país foi o 9.º Estado-membro da NATO que menos percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) dedicou à Defesa em 2022.
O relatório anual do secretário-geral da NATO, divulgado em março, indica que Portugal dedicou à Defesa 1,38% do PIB, um aumento ainda assim abaixo do objetivo dos 2% do PIB delineado pela Aliança e assumido pelo nosso país.
Em Junho de 2022, na Cimeira da NATO, Portugal referiu que iria antecipar o objetivo de aplicar 1,66% do PIB para a Defesa, não se tendo comprometido, no entanto, com uma data para o dever que nos assiste de avançarmos, finalmente, com os 2% do PIB.
A urgência em investir mais em Defesa não encontra, por agora, correspondência com o sentimento geral da população portuguesa: numa sondagem do European Council on Foreign Relations realizada alguns meses após o início da invasão da Ucrânia em 10 países europeus, os italianos e os portugueses foram os que mais se opuseram a aumentar os gastos com Defesa. Em Portugal, 45% dos inquiridos eram contra o aumento, 34% não tinham opinião e apenas 21% eram a favor.
Quando existem tantas necessidades em áreas como a saúde, economia, habitação e educação, é habitual questionarmo-nos se valerá a pena atribuir o devido orçamento à Defesa. O facto é que ainda hoje prevalece um sentimento de imunidade perante a degradação nos níveis de segurança internacional, fruto da distância geográfica em relação às áreas em conflito e, quero eu acreditar, pelo facto de fazermos parte de uma Aliança de segurança forte, unida e dissuasora como é a NATO.
No entanto, temos de agir em conformidade com o facto de o mundo se estar a tornar mais perigoso, com mais ameaças à nossa segurança.
Estas incluem o terrorismo internacional; os ciberataques (que podem ter como alvo infraestruturas críticas ou dados confidenciais de instituições nacionais ou, como já aconteceu recentemente, da própria NATO) e, ainda, o tráfico de drogas e de seres humanos, já que Portugal é um país de trânsito para a Europa. É igualmente urgente protegermos as nossas zonas de pesca e as rotas comerciais marítimas, sem esquecer a necessária prevenção da pirataria, fenómeno em crescimento em partes da costa africana.
Nunca será de mais recordar que Portugal é um país membro da União Europeia e da NATO, pelo que é vital que as nossas Forças Armadas contribuam, dentro das suas possibilidades operacionais, para as iniciativas de defesa e manutenção de paz destas organizações.
A propósito da importância e do reconhecimento atual das nossas Forças Armadas, os resultados de uma recente sondagem do ICS e do ISCTE para a SIC e o Expresso apontam para um maior grau de confiança dos portugueses na polícia (79%), depois nas Forças Armadas (76%), nas Juntas de Freguesia (70%) e, em quarto lugar, no Presidente da República (69%). Só depois surgem os outros órgãos de soberania.
No tabuleiro internacional, Portugal e os membros da NATO e da União Europeia terão que fazer escolhas e tomar decisões estratégicas sobre o futuro destas alianças e, também, da própria Ucrânia nas próximas semanas.
A contenção e eventual derrota política da Rússia tem sido um dos principais objetivos de países europeus, EUA e Canadá. É importante garantir a sobrevivência de uma Ucrânia independente que mantenha todo, ou a maior parte, daquele que era o seu território no dia 23 de fevereiro de 2022, antes do início da invasão russa.
A cimeira da NATO em Vilnius, na Lituânia, no próximo mês de julho, e o debate sobre a relação da Ucrânia com a UE são uma oportunidade para delinearmos, em conjunto, uma reflexão sobre a forma como vamos tomar decisões estratégicas de política externa e, em particular, na área da Defesa, executando-as a curto/médio prazo.
A apresentação de números, métricas e de dados consistentes são fulcrais para o suporte a uma política de compromisso no quadro internacional. A retórica, por si só, nunca será uma estratégia.
Na atual conjuntura geopolítica, os países que se cingirem às palavras estão condenados a uma vulnerabilidade que, por não ser dissuasora, poderá ser comprometedora.