Tudo mudou nas nossas vidas com a pandemia causada pelo SARS-Cov-2. Mas tal tem de se traduzir também numa mudança radical na nossa relação com o setor da saúde. Não podemos deixar que, quando a crise sanitária passar e nos esquecermos dela, a crise económica nos impeça de agir consequentemente.

Lembremo-nos que estamos perante uma crise de Saúde Pública, mas as medidas de Saúde Pública só nos permitem sobreviver, não nos permitem ultrapassar o foco da crise. Esse só é ultrapassado com o suporte das Ciências da Vida. Fica também claro que só sairemos desta crise com o recurso às variantes da biotecnologia, em que falamos do diagnóstico, tratamento de sintomas, dados epidemiológicos (através de testes serológicos) e, claro, de uma vacina. O parco investimento que fizemos até hoje em ciências da vida permitiu, por exemplo, sermos dos países com uma das mais elevadas taxas de teste por milhão de habitantes. E são números como estes que provam que é imperativo termos um cluster económico forte neste sector.

No período pós- Covid 19, não há dúvida de que o setor da saúde é fundamental e que deve merecer um investimento transversal da nossa sociedade, deixando de parte qualquer cinismo ou questão política. A oportunidade está à nossa frente, temos recursos humanos qualificados, que são a base para esta aposta. Apostar em ciências da vida é apostar numa economia baseada no conhecimento, com emprego altamente qualificado e resiliente e com produtos de elevado valor acrescentado.

Devemos ter a ambição de fazer uma aposta estratégica no setor da saúde, com políticas e medidas concretas a serem implementadas até ao final deste ano.  Devemos criar um Programa Operacional Temático Bio-Saúde 2030, reprogramando parte do PT2020, e continuando no Horizon Portugal 2027, com dois grandes eixos estratégicos dentro do cluster da saúde:

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  1. Fazer de Portugal um Hub de Investigação e Desenvolvimento. As condições científicas de base, pela qualidade da ciência e pela qualidade e disponibilidade da mão de obra qualificada, fazem do nosso país um local ideal para um hub de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico Translacional neste sector. Uma aposta na transferência de tecnologia, investigação clínica e empresas inovadoras.
  2. Portugal como a Fábrica da Europa para a Saúde. Durante este período de crise sanitária, ficou claro que, em eventos globais, as cadeias de distribuição são dramaticamente afetadas. E, quando as cadeias de distribuição falham, ficam também limitadas as matérias primas e produtos. Portugal terá de passar, por isso, a produzir o que se habituou a comprar na China e é um dos candidatos ideais para ser a “Fábrica da Europa”. Além de demonstrar uma qualidade acima da média com um rácio qualidade-preço imbatível a nível europeu, Portugal tem também uma proximidade geográfica única aos continentes americano e africano. Acreditamos, por isso, que uma das medidas a adotar no futuro poderia passar por garantir que, a nível europeu, 10% dos gastos em saúde sejam feitos a PMEs e outros 10% a empresas europeias.

A crise económica em que já estamos mergulhados trará consigo políticas de relançamento económico. É imperativo que este setor seja um dos verticais prioritários. Este investimento é tanto mais relevante se nos recordarmos que a saúde representou em 2017 cerca de 10% do Produto Interno Bruto com um gasto total em saúde de 19 mil milhões de euros, segundo dados da Pordata. Este é, portanto, um dos setores com maior peso na nossa economia e que tem de ser um eixo estratégico de desenvolvimento.

A implementação desta política transversal permite ao país e à Europa capacitarem-se e estarem mais bem preparados para enfrentar futuras crises sanitárias, sejam elas causadas por um vírus ou por uma bactéria multirresistente que não responda a antibióticos. Este investimento é necessário para o futuro. Está na altura de agir. Sem as ciências da vida, ou morríamos de fome ou da infeção, sem sequer saber o que tinha acontecido.