500 anos após a primeira circum-navegação, podemos ver na Praça do Chile, em Lisboa, a estátua de Fernão de Magalhães. Um herói, cuja expedição muito mais tortuosa do que a ciclovia a jusante, não tem de português mais do que um Cartão de Cidadão.

Podemos retirar desta praça, cujos sulcos relembram as escarpas da Patagónia, algo mais do que estragos no carro? Sim. Magalhães, homem na casa dos 30, depois de no início do séc. XVI se ter batido além-mar em nome d’El Rei, tentou em Portugal a sua sorte no mundo do venture capital.

Fez três pedidos ao rei para que lhe fosse autorizada a expedição, para encontrar uma passagem através das américas, circum-navegando o planeta, apesar da prevalência de flat earthers (na altura mais justificados do que agora, por questões teológicas e porque não era possível seguir a NASA no Instagram). Foi-lhe recusada, tendo-lhe no entanto sido concedida a liberdade de procurar patronos noutras localidades (facto admirável, já que não existia espaço Schengen).

Hernando de Magallanes encontrou em Carlos V, em Espanha, um patrono à altura. Apesar das invejas dos oficiais portugueses e das manobras dilatórias de um diplomata português, o “nosso” navegador partiu, espanhol, almirante de cinco naus, em busca do seu estreito. A história da viagem não é sexy: contém peripécias de sangue, revoltas, decapitações, deserção e escorbuto. Magalhães não regressou, tendo sido morto nas actuais Filipinas, numa aparente subestimação dos autóctones, e a viagem foi concluída por outro: o homem e a audácia eram portugueses, mas a expedição (e o capital, que cá, na altura, não faltava) era espanhola.

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Fast forward de 500 anos, e o que temos? Uma geração muito bem qualificada pelas instituições de ensino nacionais (que pouco devem às internacionais em termos de conteúdo, e talvez alguma coisa em termos de prestígio), da qual aqueles que almejam feitos grandiosos, i.e. criação de empresas, inovação, ou trabalho digno, elevado e bem remunerado, se vêem obrigados a emigrar, e cuja alternativa é a submissão a uma escala insignificante. Um país pobre, de produção de pouco valor acrescentado, na sua maioria com tão imerecida quanto fraca reputação.

Quem tenha nascido em Portugal a partir da década de 80 não conhece, a não ser pelos livros, outra realidade que não seja a da paz e da pertença à Europa; vive num mundo globalizado cuja observação permite comparações tão claras quanto tristes. Aqueles que emigram e singram, os nossos Magallanes, fazem-no apesar de Portugal, porque pessoas, bens e serviços made in Portugal não têm a reputação que na maioria dos casos merecem. As medidas pusilânimes, tipo IRS Jovem e outras tendentes ao repatriamento do capital humano – melhor que nada – são uma brincadeira pueril que pouco ou nada alicia os jovens qualificados. O mobiliário português, no que toca à marca (e não à qualidade), nada pode contra, por exemplo, o italiano, tal como o confortável calçado ou o delicioso azeite. Por outro lado, ainda que não nos devamos coibir de colocar a nossa nacionalidade no currículo, esta gera mais desconfiança do que interesse.

Urge parar de adiar o país. É preciso fazer o esforço titânico e continuado de valorização da nossa Marca, para que a fatia de leão do valor acrescentado (que tanta falta nos faz) não seja injustamente apropriada por outros que, legitimamente e por inépcia nossa, a apropriam.

É, assim, com um sentimento agridoce que vemos o resultado destas eleições legislativas. Se, por um lado, uma maioria absoluta do Partido Socialista (cuja afirmação do seu líder de que esta não é “poder absoluto” relembra o “I am not a crook” de Nixon) deixa adivinhar a continuação da letargia que nos mantém reféns de nós próprios, por outro vemos a multiplicação por oito da representação parlamentar de um partido que apela aos jovens Magallanes, à gente preparada e ao crescimento económico. Um partido que não sucumbe à tentação do bitaite, e do qual esperamos audácia, e que vocalize aquilo que funciona e faz falta: que nos saiam da frente, que valorizem o que tem valor, que não nos obriguem a ir embora e que não desbaratem o investimento que, a muito custo, fazemos na educação dos nossos. Que permitam, a nós que o desejamos, ter o futuro a que legitimamente aspiramos e, quem sabe, uma merecida estátua numa rotunda sem buracos.