O PAN apresentou, no último dia 5 de Maio, o Projecto de Lei n.º 365/XIV/1ª onde, entre outras alterações à lei vigente, propõe que passem a não poder ser designadas como Governador ou membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal “[p]essoas que, nos 5 anos anteriores à designação, tenham ocupado os cargos de primeiro-ministro, membro do governo responsável pela área das Finanças ou de Secretário de Estado em áreas conexas com as finanças”. A aprovação desta alteração impediria, evidentemente, que Mário Centeno sucedesse a Carlos Costa no lugar de Governador.

Aqueles a favor da nomeação têm utilizado amplamente o argumento de que esta seria uma “lei com fotografia” – ad hominem – pretendendo insinuar que se pretende legislar apenas para impedir Centeno e/ou o PS. Um pouco mais de Latim poderá ajudar a perceber que talvez não seja bem assim. Ad rem (ao assunto):

As entidades reguladoras devem ser independentes do poder político. Um truísmo, de resto patente no Artigo 2.º da Constituição. Apesar do problema filosófico  de saber quem guarda a guarda (Wittgenstein diria que são só palavras…), as recentes audições de um ex-governador na Comissão Parlamentar de Inquérito à recapitalização da CGD aparentam ser evidência ad abundantiam de que é desejável a separação das águas; se não for suficiente, considerem-se os custos suportados pelos contribuintes, ainda que não sejam integralmente atribuíveis ao Banco de Portugal.

Pode-se argumentar que seria preferível uma discussão desta natureza no decurso de um mandato, com mais tempo, em vez de em cima da nomeação, evitando criar jurisprudência que venha a fomentar, nas palavras do PSD, uma futura “revolução”. Está certo. Porém, como em geral é pouca a vontade colectiva de discutir este tema, talvez não haja alternativa, independentemente da motivação que subjaz ao Projecto de Lei, a abordá-lo quando os conflitos se tornam evidentes, sob pena de preservarmos o status quo ad infinitum.

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Quer se aprove, quer não se aprove este Projecto de Lei, parece de elementar bom senso que a nomeação do Governador só tenha lugar após a conclusão do processo legislativo. Parece não ser essa a vontade do Governo, que peca por célere, e assim a Comissão de Orçamento e Finanças irá, ao mesmo tempo, ouvir Centeno enquanto delibera sobre as regras da nomeação. Ad absurdum.

O nível óptimo de compromisso entre a autonomia das instituições (e das pessoas) e a centralização das decisões é assumidamente difícil de alcançar. Se, por um lado, um círculo fechado de decisores pode trazer mais estabilidade, por outro está em pior posição para garantir que as decisões são as melhores possíveis: sacudir um saco cheio de pedras irregulares que acabam por se encaixar pode ser melhor do que um saco sempre arrumado de cubos empilhados que não precisa de abanões. Portugal precisa de avançar, ad meliora. Não há soluções mágicas, nem fechadas, para conduzir a sociedade, mas parece plausível que instituições e pessoas mais autónomas a tornem mais robusta, menos susceptível a desastres, ainda que o caminho seja mais tortuoso. Quae sunt Caesaris Caesari; caso contrário, podemos acabar com um país ad mortem.

Dos 13 ex-governadores do Banco de Portugal, apenas dois não foram ministros ou secretários de Estado. Dos restantes, a maioria tutelou áreas relacionadas com as finanças (alguns teriam respeitado o período de nojo agora proposto). Sempre foi assim, desde o século XIX. Deve continuar a ser? A história recente sugere que não. Problemas de sociedade não são problemas de engenharia: devemos aceitar o conhecimento que o tempo nos confere, atendendo às circunstâncias, mesmo que não compreendamos o processo na totalidade.

Assim como é evidente a habilidade de Cristiano Ronaldo no futebol, é plausível a capacidade deste outro Ronaldo para governar o Banco de Portugal. O que deveria estar em causa não é Mário Centeno, mas a independência e o funcionamento salutar de uma instituição relevante, que supervisiona os vasos comunicantes do dinheiro para a economia.

O PCP escolheu relativizar, apelidando o Banco de Portugal de “sucursal” do BCE. O Bloco de Esquerda manifestou-se contra a indicação de Centeno para o cargo, coerente consigo próprio, brandindo a bandarilha anti-Europa ao sugerir que a Assembleia da República passasse a vincular a nomeação do Governador. O PSD é contra, em teoria, mas não na prática… O CDS-PP e a IL querem, pelo menos, que o processo legislativo anteceda a nomeação do Governador. Tudo aponta para que Centeno venha a ocupar o lugar.

Esta Lei, que é projecto, e a sua discussão, não são ad hominem, são ad nauseam.