Os dados são cada vez mais preocupantes. Tudo indica que caminhamos para uma recessão e quem se iludir com as extraordinárias taxas de crescimento e de emprego da economia portuguesa não se está a preparar para o pior. A Alemanha ficou sem excedente externo e registou o seu primeiro défice comercial externo em três décadas – as importações valeram mais do que as exportações – e, como se pode ler aqui, os empresários alemães têm vários fogos para apagar: a escassez de recursos humanos e subida de preços da energia e das matérias para produzir, por causa da ruptura dos canais de distribuição que veio com a pandemia e que a guerra agravou. Tudo problemas que aqui também se enfrentam.
O chanceler Olaf Scholz, após uma reunião com sindicatos, grupos empresariais e economistas, avisou que há uma crise no horizonte e o presidente da Confederação Alemã de Empregadores, Rainer Dulger, alertou para a crise que se aproxima, que pode ser a mais grave desde a reunificação alemã. Neste momento já há bancos a anteciparem que a economia alemã vai entrar em recessão este ano. E isto sem sabermos como vai ser o Inverno, se a Rússia vai, ou não, cortar o gás à Europa e especialmente à Alemanha.
Com a Alemanha, a locomotiva da Europa, em recessão, é inevitável que toda a Europa entre pelo mesmo caminho. Não é por acaso que todas as organizações internacionais apontam para a Europa como a zona do mundo que mais vai sofrer com a invasão da Ucrânia pela Rússia.
A euforia que estamos a viver, e que se reflecte, por exemplo, no colapso do transporte aéreo ou nas ruas, restaurantes e hotéis cheios de turistas em Portugal parece a orquestra do Titanic. Porque, por aqui, quem nos governa parece alheado do que se passa à nossa volta, felizes com taxas de crescimento que não são mais que efeitos aritméticos. Não ouvimos um único alerta do Governo ou do Presidente da República sobre as nuvens que se acumulam no horizonte, especialmente graves para um país que depende do poder de compra dos outros, para ter turismo, e que está todo ele endividado.
A falta de energia do Governo e um Presidente que parece perdido deixa-nos a todos sem liderança. O recente episódio do aeroporto, com o ministro das infra-estruturas Pedro Nuno Santos a ser desautorizado pelo primeiro-ministro, é o retrato dessa falta de governação e liderança. António Costa parece ter desistido de governar ou viciou-se em distribuir dinheiro no regateio a que assistimos nos últimos seis anos. Mal ou bem, ao menos Pedro Nuno Santos toma decisões – mesmo correndo o risco de ter de pedir desculpas e actuar depois, como se a relação com o primeiro-ministro precisasse de terapia conjugal.
Quando olhamos para trás verificamos que em seis anos é muito difícil encontrar decisões dos governos liderados por António Costa que não fossem, ou desfazer o que estava feito, ou distribuir dinheiro a pedido dos partidos de quem dependia para governar. Ao mesmo tempo que controlava as contas públicas cortando onde ninguém via no curto prazo e esquecendo-se – ou nunca antecipando – que o longo prazo lhe ia cair nos braços.
Temos um país endividado e com graves problemas estruturais por resolver que apenas se agravaram nestes últimos anos – com uma degradação generalizada dos serviços públicos, da segurança e justiça, passando pela saúde e a educação. Como se isto não bastasse, vivemos mais de seis anos a criar a ilusão de que bastava “virar a página da austeridade” e anunciar a distribuição de dinheiro e benefícios para que todos os problemas desaparecessem. Nem se precisavam de esforçar que o Governo tratava de tudo, essa foi a mensagem subjacente dos últimos anos.
É com este quadro que vamos entrar na nova crise, ninguém sabendo neste momento qual a sua gravidade e duração. Enquanto na Alemanha o Governo avisa que está no caminho a mais grave crise desde a reunificação, por cá nada se diz nem se decide. Resta a cada um de nós prepararmo-nos para o pior, esperando o melhor. Porque do Governo parece que apenas podemos esperar decidir não decidir.