Os brasileiros têm uma expressão que se adapta muito bem ao problema que hoje enfrentam os bancos centrais com especial relevo para o Banco Central Europeu: “se ficar o bicho come, se fugir o bicho pega”. O “bicho” são dois: a inflação e o crescimento. Sendo certo que neste momento começa a existir entre os economistas a convicção de que vamos viver uma crise com as características da registada em 1973 e 1979, quando ocorreram o primeiro e o segundo choques petrolíferos. Uma crise marcada pela estagnação ou mesmo quebra da produção com inflação, e que é conhecida como “estagflação”.

Na década de 70 os economistas estavam convencidos que não era possível ter, ao mesmo tempo, inflação e recessão, influenciados ainda pela designada curva de Philipps – que estabelecia uma relação negativa entre a inflação e o desemprego. E que durante anos criou a ilusão de que se podia escolher entre inflação e emprego. A acentuada subida dos preços do petróleo em 1973 – e depois em 1979 – acabaram com essa ilusão. E, neste momento, estamos a caminho de experimentar uma crise semelhante.

A subida acentuada dos preços do petróleo e do gás, sem que existam expectativas de uma redução a prazo – veja-se as cotações a 7 de Março para as entregas até ao fim do ano –, a que se junta a subida de preços de cereais, como o trigo, e de algumas matérias primas que têm na Rússia um importante fornecedor constituem aquilo que os economistas designam como um choque do lado da oferta. Paralelamente temos várias empresas a encerrarem a sua actividade na Rússia, de sectores tão diversos como as petrolíferas, os automóveis, o vestuário e serviços financeiros.

Antes de a invasão da Ucrânia pela Rússia se iniciar, a 24 de Fevereiro, a Zona Euro, tal como os Estados Unidos, enfrentavam já um problema com a inflação. Estávamos a sair da pandemia com a pressão da procura a fazer subir os preços, a par do choque energético que se tinha tido o ano passado. O BCE resistiu em apertar a política monetária, argumentando que se estava perante uma subida temporária dos preços, mas este argumento estava a perder força. Neste momento novos argumentos recomendam prudência na decisão de apertar a política monetária. Especialmente para a Zona Euro.

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A Rússia é o quinto maior mercado de exportação da União Europeia e o terceiro em importações, sendo o seu principal fornecedor de petróleo e gás natural. A Rússia garante cerca de metade do gás consumido pela Alemanha e 46% pela Itália. Daí a relutância dos alemães em avançar para sanções sobre as vendas de petróleo e gás russos, como querem os Estados Unidos. A Europa será assim inevitavelmente a região mais efectada pela guerra na Ucrânia, quer por ser aqui que o conflito ocorre, quer, e especialmente, pelas interligações comerciais com a Rússia. Neste momento já existem economistas que admitem o cenário de uma recessão na economia europeia.

Com este quadro, o BCE terá de ser especialmente prudente. E é essa prudência que se espera que saia na importante reunião do Conselho de Governadores que vai decorrer na quinta-feira dia 10 de Março. Mesmo com a inflação nos 5,8% em Fevereiro, os analistas e investidores apontam agora para o adiamento da subida das taxas de juro para 2023, quando antes da guerra se previa que começasse a acontecer em finais deste ano.

Neste dilema entre combater a inflação, danificando o crescimento, ou ignorar a inflação, continuando a dizer que a subida de preços está concentrada na energia, para não afundar ainda mais a economia, tudo indica que o BCE seguirá esta segunda via. Até porque o aperto da política monetária dificilmente impedirá uma subida de preços concentrada ainda na energia e que é gerada agora pela guerra. De um eventual problema de excesso de procura, que parecia existir antes da guerra, passámos a um choque da oferta que não se resolve com a subida da taxa de juro.

O problema da área do euro é que os Estados Unidos devem subir as taxas de juro, mesmo que a um ritmo mais lento. O presidente da Reserva Federal indicou na semana passada que vai avançar com uma subida de 0,25 pontos percentuais, quando antes da guerra se esperavam subidas de 0,5 pontos. Juntando uma melhor remuneração em dólares com a perspectiva de que a economia norte-americana vai sofrer menos, com a invasão da Ucrânia pelas Rússia, o BCE vai igualmente enfrentar uma desvalorização do euro, como aliás já está a acontecer: desde 24 de Fevereiro, o euro já caiu mais de 3% face ao dólar. E a queda do euro significa alimentar ainda mais a inflação importada.

Putin, como escreve Edgar Caetano deixa ainda mais Lagarde entre a espada e a parede. Revisitando a década de 70, há economistas a lembrar que na altura se cometeu o erro de expandir a política monetária, acabando por alimentar ainda mais a inflação. A diferença é que, desta vez, a chuva de dinheiro já estava a acontecer por causa da pandemia. Trata-se apenas de não “secar essa chuva”, evitando assim provocar um mergulho ainda mais grave das economias da Zona Euro. Até porque, para já, não há sinais de subida dos salários.

Na realidade vamos ficar todos mais pobres, a fazer enormes transferências de rendimento para os países que produzem petróleo, gás, cereais e algumas matérias minerais – entre eles, a própria Rússia. E esse empobrecimento vai inevitavelmente concretizar-se com a subida de preços e uma provável recessão.