Nos debates que vi até ontem, Marcelo Rebelo de Sousa assumiu um papel de “Presidente Pai”. Foi muito paternalista com Marisa Matias, com Tiago Mayan e com João Ferreira, mostrando paciência perante as críticas e recorrendo, simultaneamente, a um tom educativo. Uma espécie de combinação entre “Pai da nação” e “Professor dos candidatos”.
De certo modo, o papel de candidato é ingrato para Marcelo Rebelo de Sousa. Durante o dia é Presidente e à noite é candidato ao seu lugar. Ora, para lidar com o incómodo, Marcelo decidiu ser “candidato” durante grande parte do dia, nos contactos com os eleitores (mais frequentes do que os dos outros candidatos por causa do exercício das funções presidenciais) e Presidente nos debates.
Tendo decidido ser o mais presidencial possível nos debates, Marcelo tem sublinhado várias vezes o seu contributo para a estabilidade. Até hoje, depois de três debates, a grande contribuição de Marcelo parece ser a ajuda para manter a estabilidade. Bom, o Estado Novo adorava estabilidade. A antiga União Soviética adorava estabilidade. Dito de outro modo, a estabilidade não é necessariamente uma virtude. Convém discutir o que é a estabilidade.
Se a estabilidade significa não provocar golpes de Estado a partir de Belém, estou inteiramente de acordo com o PR. Não compete ao Presidente arranjar pretextos para derrubar governos. Nem Marcelo deve fazer alguma coisa para ajudar o PSD a regressar ao poder. Um partido que precisa da ajuda do PR para chegar ao Governo, não está preparado para governar, como se viu com os governos de Sócrates. Espero que Marcelo Rebelo de Sousa nunca ajude a direita a regressar ao poder. A direita só merece estar no Governo quando conquistar a confiança da maioria dos portugueses.
Mas estabilidade não significa cumplicidade com o Governo em matérias fundamentais para o nosso país. E a cumplicidade, ou falta dela, não se medem pelo número de vetos presidenciais a novas leis. A cumplicidade até seria irrelevante, se Portugal estivesse na boa direcção. Mas não está e não tem nada a ver com a pandemia. São males muito anteriores à Covid e que, muito provavelmente, continuarão depois do fim da pandemia.
São mesmo problemas muito graves. Há neste momento, em Portugal, uma degradação da qualidade da democracia. O Governo mente por sistema. Não é de vez em quando, é a regra. O lema deste Governo é mentir até ser apanhado e recorrer a truques depois de ser apanhado. Foi assim com os incêndios, com Tancos, com a substituição da Procuradora Geral da República, do Presidente do Tribunal de Contas, com a morte do cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa e agora com a nomeação do procurador europeu. No momento em que Portugal assumiu a Presidência do Conselho da UE, o Governo reconheceu que mentiu às instituições europeias. Mente em Portugal e mente na Europa. Este modo de exercer o poder ameaça a democracia e o Estado de Direito. Marcelo Rebelo de Sousa sabe isto tão bem como todos nós. Deveria ser muito mais duro do que é. Em vez de se refugiar nas questões processuais, deveria dizer, muito claramente, “a Ministra da Justiça não tem condições para continuar no cargo”. Se for necessário, abre um conflito com o Governo. O PR não pode pactuar com um Governo que engana por sistema. A qualidade da nossa democracia é muito mais importante do que a estabilidade.
Os nossos governos andam a prometer, há décadas, que Portugal vai convergir com a Europa. A realidade é a oposta. Portugal está a divergir dos seus parceiros e está cada vez mais pobre em termos relativos. Este empobrecimento nada tem a ver com a Covid, nem com a crise financeira de há dez anos atrás. Todos os países da União Europeia passaram pelas mesmas experiências.
Portugal empobrece por causa das políticas económicas dos governos socialistas desde o início deste século. Com o apoio das extremas esquerdas, a situação vai piorar com o aumento dos ataques à iniciativa privada e às empresas. Nos debates com Marisa Matias e com João Ferreira, Marcelo Rebelo de Sousa foi incapaz de defender a saúde privada com convicção. Tratou os grupos privados de saúde como um apêndice do SNS. O PR sabe muito bem que o sector privado é indispensável para a saúde e o bem-estar dos portugueses. Porque não o diz? A saúde é um serviço que se presta aos portugueses. O sector privado aumenta a qualidade, o profissionalismo e a competência dos serviços de saúde. O objectivo deve ser aumentar a qualidade da saúde pública e não atacar a saúde privada. Marcelo não o diz e assim dá legitimidade aos ataques das esquerdas radicais aos grupos privados de saúde. Mais uma vez, a saúde dos portugueses é mais importante do que a estabilidade política.
Por fim, as extremas esquerdas têm uma agenda radical nos temas fracturantes. Isso não tem nada a ver com os direitos das minorias, mas sim com ataques à família e aos valores tradicionais. É uma estratégia revolucionária, não é uma defesa de direitos. A fúria revolucionária é tal, que insistem na lei da eutanásia no meio de uma pandemia que afecta sobretudo as pessoas de idade. Obviamente, as questões não estão directamente relacionadas, mas a sensibilidade humanista deveria colocar a eutanásia em segundo plano enquanto se combate a Covid. Por que razão Marcelo Rebelo de Sousa não é capaz de dizer, alto e com bom som, e mostrando o seu humanismo, para se adiar o tema da eutanásia para depois da derrota da pandemia. Será mais uma vez por causa da estabilidade? Ou a estabilidade é apenas o refúgio de quem foge de conflitos, duros no plano pessoal, mas fundamentais para o futuro dos portugueses?