Quando era pequeno achava que em adulto iria ouvir falar imenso sobre soufflés. Era fascinante para mim pensar que havia uma preparação culinária que reagia à nossa comunicação. Imaginava, na fertilidade imaginativa de uma criança, o soufflé a entender as nossas ordens qual animal amestrado. Neste caso, um animal amestrado que apenas reagiria à ordem de deitar. Porque o soufflé, tal como um casamento longo, murchava com o barulho.

Fazendo o paralelismo à actualidade política nacional, temos na figura de um Presidente da República que tanto prometia, a chegada a um ponto no qual, fruto de uma ruidosa maioria absoluta, murchou. E nada o fazia prever. Era, aliás, a sua nova função, ser o ponto de equilíbrio para a prestação de contas de um governo com um cheque em branco. Ao esticar-se a corda do constante clima de polémica, e com as mãos atadas por uma oposição ainda inconsistente, o Presidente da República, murchou.

Estávamos habituados a viver com algum ruído. A casos e casinhos, mas sobretudo à constante presença de Marcelo nas nossas casas, nos nossos ecrãs, em todo o lado, numa representação antagónica do seu antecessor, a comentar tudo o que podia, e muitas vezes, assuntos que nem tinham relevância. O segundo mandato prometia aquele peso para a estabilidade política nacional, mas ficou mais leve, muito mais leve, ao ser desafiado pelo Primeiro-Ministro, e a ficar entre a espada socialista e a parede da oposição, que não lhe garante, ainda, que se dissolver o parlamento, haverá um resultado diferente das eleições de 2021, 2019, ou 2015. Não se vislumbrando paisagens de mudança, Marcelo arriscar-se-ia a perder a credibilidade que tanto guia os seus objetivos e as suas acções. As dores da ultra-presença mediática começam agora a surgir.

Diria Woody Allen que 80% do sucesso é aparecer. Foi esta, aliás, uma das chaves para Marcelo se tornar uma personagem maioritariamente respeitada no eleitorado antes de ser Presidente da República. Aparecer. Os restantes 20% seriam a imagem culta e simpática que sempre fez passar. Mas o sucesso de aparecer tem que ser bem reflectido. Não acredito que não haja má publicidade. Dir-me-ão que “sucesso” significará a fama e o poder.

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Errado no caso de Marcelo, uma vez que se o “aparecer” se tornar em má publicidade, o sucesso de se tornar um político indiscutivelmente respeitável na história política portuguesa esfuma-se. É, aliás, a convicção de muita gente que o objectivo maior de Marcelo é ser mesmo o mais respeitado e popular de sempre. A sua aprovação não ficou bem clara na segunda eleição. Ou melhor, apesar de um resultado esmagador, não ficou claro de qual seria a sua aprovação se do outro lado estivesse pelo menos um adversário credível. Os fortes não quiseram enfrentar a popularidade de Marcelo, e o PS apoiou-o para ter a certeza de que poderia gritar vitória na noite eleitoral.

Augura-se que o objectivo de Marcelo não será cumprido. Não enquanto António Costa puxar a corda sem romper. Para além de um soufflé, lembra-me aquelas vezes que, por algum acaso, damos por nós a guardar um produto que não gostamos e que nunca será consumido, mas não deitamos fora porque vai contra a nossa moral deitar comida ao lixo. Então aguentamo-lo no canto do frigorífico, até fingirmos que não nos lembramos mais que ali está a definhar, e simulamos estar muito surpreendidos por já ter passado a validade para já termos uma justificação e deitar fora.

Mais do que uma justificação, precisamos, na política portuguesa, de uma de duas coisas. Ou ter alternativa, ou não ter mesmo outra alternativa.

Isto claro, se o soufflé nos quiser ensinar, de uma vez por todas, que é e sempre foi um mito que murcha com o barulho.