O Governo recomenda proibir o uso dos telemóveis nas escolas no primeiro e segundo ciclo. Recomendar é uma posição um pouco equívoca, porque se o uso é prejudicial para uns, também será para todos. Será difícil compreender, sobretudo para as crianças, que numas escolas seja permitido e em outras seja proibido. A fórmula adoptada poderá ser justificada pelo respeito para com a autonomia das escolas, mas essa mesma autonomia não é considerada quando se trata de impor disciplinas de conteúdo ideológico como dita “cidadania”.

O grande desafio é libertar as crianças, os adolescentes, do telemóvel, ou, melhor, das redes a que acedem. Libertá-los exige perceber o que os prende, o que procuram nas redes, o que encontram na net e não na escola.

Serão múltiplas as razões, desde a pertença a um grupo, pertença a uma causa, a um tempo, a um espaço. Serão diversas motivações, precisam de ser entendidas, para oferecer alternativas.

Proibir é muito pouco, muito menos do que é preciso fazer. Seguramente que o trabalho de afastar os mais jovens dos telemóveis deverá começar em casa, mas deve continuar na escola. A simples proibição cria a ideia equivoca que com a proibição o problema está resolvido, não está. Quando muito, retira-lhes o acesso durante os 40 minutos de intervalo, mas fica o resto do dia.

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A escola, que tem uma disciplina de cidadania, qual cavalo de troia da ideologia de género, pode e deve ser parte no processo. Deve ensinar a utilizar com racionalidade o telemóvel, o respectivo acesso às redes, alertar para todos os perigos que decorrem de uma exposição excessiva. Perigos que não se encontram apenas nos conteúdos partilhados, mas da própria dependência que gera, dos impactos no desenvolvimento cognitivo, do efeito aditivo nos mais novos (também nos mais velhos).

Infelizmente, o debate sobre a medida anunciada, até pela forma como surgiu, foi contaminado pela dicotomia monocromática, no preto e branco, entre quem concorda com a utilização do telemóvel e quem é contra. Mas a questão principal é muito mais complexa, exige uma abordagem ambiciosa, com resultados para além do imediato, que ofereça ferramentas de imunidade perante todas as artimanhas dos algoritmos que tudo fazem para capturar a atenção, para viciar, para provocar dependência.

A escola não pode ser dispensada deste desafio. A escola tem de fazer parte do processo de literacia digital.

Na escola, os alunos terão de encontrar alternativas aos meios digitais, talvez a maioria das escolas não esteja preparada para isso, muitas foram-se conformando e configurando com a realidade digital. No centro de Lisboa há escolas onde os pavilhões desportivos foram demolidos e aguardam, há anos, pela construção de novos.

Proibir tem sempre uma carga de derrota, é desistir de mudar para simplesmente impedir. Mudar implica, também, enfrentar as grandes plataformas de tecnologia, obrigá-las a mudar as suas práticas e a cumprirem regras. Afrontar os gigantes tecnológicos é muito mais difícil que pedir às escolas para proibirem os telemóveis.

Como escreveu filósofa Shoshana Zuboff, na obra “A Era do Capitalismo de Vigilância”, não temos de matar a tecnologia, mas temos de a colocar sob governação democrática.

O tempo corre contra nós, deixámos que as coisas fossem acontecendo, na esperança que um dia melhorassem, mas quando se entra numa rampa deslizante não se pode esperar que o sentido da queda se inverta sozinho.

Há um desafio de século, o desafio de adaptar as pessoas à era digital, adaptar para se protegerem, adaptar para se imunizarem, adaptar para se manterem livres.

É um imperativo civilizacional promover a literacia digital, não se promove proibindo, mas sim educando.