Há uma história anedótica que reza assim: Um homem foi condenado à morte e prometeu ao rei que se lhe desse um ano faria o seu cavalo falar e, assim, conseguiu adiar a sentença. E perguntam-lhe: Mas como vais fazer? Sabes bem que o cavalo nunca vai falar. A resposta: Durante um ano muita coisa se pode passar, o rei pode morrer, o cavalo também e quem sabe o cavalo não fala.

Pois parece ser este o princípio que está a ser seguido quer pelo Governo quer pelo PS, mas para pouco mais de seis meses. Quem tiver de executar – até mais do que elaborar – o Orçamento de 2025 lá terá de gerir a loucura de dinheiro a rodos oferecido aos portugueses. Ou dar o dito por não dito.

Juntando o que já foi aprovado pelo PS no Parlamento e aquilo que o Governo está a prometer, o Orçamento de 2025 já tem, numa estimativa grosseira já que nem tudo está contabilizado, cerca de 1500 milhões de euros a mais entre, especialmente, menos receita e mais despesa.

Para este ano, apesar da catadupa de anúncios do Governo e das aprovações no Parlamento à revelia da AD, teremos menos de 400 milhões de euros, cerca de 200 dos quais de uma descida do IRS que ainda não sabemos como vai acabar. Como não se sabe como vai acabar a isenção de IMT para os jovens, uma vez que tem de ir ao Parlamento e ainda é preciso negociar a compensação às autarquias. E mesmo levando em conta a reposição do tempo de serviço dos professores que este ano custa 40 milhões de euros (300 milhões em 2027), mostrando como a não resolução deste problema se deveu apenas à teimosia política de António Costa, que teve custos na educação dos jovens portugueses.

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O problema está em 2025 e mais por iniciativa do Governo do que da oposição, apesar de adotarem medidas de racionalidade duvidosa, como os 6% do IVA da electricidade (mais 90 a cem milhões de euros em 2025) ou o fim das portagens nas ex-Scuts (157 milhões nas contas do PS, 180 nas contas do Governo ou 264 milhões nas contas de Gonçalo Moura Martins, vice-chairman da Mota-Engil, reveladas na Partida de Xadrez do Negócios).

Quer na electricidade como nas ex-Scuts, os socialistas parecem esquecer que temos uma agenda de descarbonização em curso, que tem na electrificação da economia e no aumento do uso do transporte público duas das suas ferramentas. Como explica aliás João Galamba na rede social X “alguém que queira carregar carro é penalizado, alguém que queira abandonar gás e apostar na eletricidade idem”.

Mas é no IRS Jovem que temos prevista a maior perda de receita, com uma estimativa de custo de mil milhões de euros em 2025 para uma medida demasiado cara e injusta para, teoricamente, voltar a atrair os jovens para Portugal, não se percebendo que há outras razões para a emigração dos portugueses qualificados.

A medida do governo socialista – que se vai manter como alternativa -, estando ligada ao mercado de trabalho, e não à idade, é mais racional e apesar de tudo menos injusta: apoiar os jovens em início de carreira quando ganham menos, independentemente de também aqui se introduzir um factor de discriminação pela idade.

Primeira crítica a esta medida – que se aplica também ao que foi criado pelo PS – pode ser perfeitamente inspirada na Constituição da República Portuguesa. Diz o número 1 do seu art.º 104: “O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.” A não ser que se considere que se está a diminuir a desigualdade entre quem tem mais e menos de 35 anos, é muito difícil perceber como se enquadra o IRS Jovem nesse princípio constitucional. Mas, como sabemos, a Constituição tem um amplo espaço de interpretação e, por isso, nem vale a pena pensar nesse argumento.

Mas vamos admitir que há aqui uma desigualdade com o corte nos 35 anos. De facto, as estatísticas mostram-no, os jovens têm empregos mais precários e em geral mais mal pagos. Será por via fiscal que isso se resolve? Todos sabem que não. Primeiro porque há uma parte da economia que começou a funcionar assim, com empregos que não são os do século XX, depois porque há jovens da Geração X que preferem ter maior liberdade e não ficarem agarrados a uma empresa e finalmente, e não menos importante, porque a segurança no emprego que os mais velhos têm, herança do século XX, pode ter como consequência a insegurança dos mais novos, os que são despedidos em caso de crise. Sim, estamos a falar na lei laboral que podia e devia ser mais flexível, exigindo-se ao mesmo tempo que o Estado fosse implacável com os empregadores.

Temos então o objetivo de combater a emigração, perguntando-se se é correto fazê-lo desta maneira e se é eficaz. Primeiro a questão, digamos, moral. Imagine que tem digamos 25 anos e está naquelas profissões muito procuradas e bem pagas logo no início da sua carreira, tendo a sorte de ter um rendimento colectável mensal de 3800 euros (53.200 anual). O Governo promete-lhe que paga só 15% de IRS em vez dos 45% agora em vigor. De certeza que este jovem quer cá ficar se tiver uma alternativa no exterior onde os impostos são mais baixos para todos e não está nas mãos de uma mudança legislativa? Quem lhe garante que, repentinamente, a lei fiscal não muda e salta diretamente de 15% para 45%?  Ou seja, esta medida é uma armadilha mais do que um factor para manter os jovens em Portugal.

Se o Governo está convencido que os cofres do Estado estão com uma receita estrutural adicional de mil milhões de euros – eventualmente fruto da inflação – porque não usar esse montante para descer os impostos a todos em vez de se limitar a fazê-lo apenas para quem tem menos de 35 anos? Será esse mais um sinal de que não existe capacidade estrutural para baixar o IRS, podendo a qualquer momento esta medida ser revertida?

Alguns jovens podem ficar em Portugal por causa desta medida, mas seguramente que boa parte deles percebe que, de um momento para o outro, esta medida pode desaparecer. E mesmo que isso não aconteça, quando passarem os 35 anos vão ver o seu poder de compra diminuir drasticamente por causa dos impostos.

Boa parte dos jovens saem de Portugal por razões que têm mais a ver com o mau funcionamento do país, com oportunidades que não têm, com salários baixos, independentemente dos impostos. Ao mesmo tempo que vão vendo parte dos empregadores a ganharem muito mais do que os seus colaboradores, apesar de serem incapazes de gerir o talento e de investirem para aumentarem a produtividade.

É essa benevolência com os empregadores em que estamos viciados, acusando todos aqueles que os criticam de serem radicais de esquerda, que exigia ser mudada na forma de actuação dos governos. As próprias associações patronais podiam começar por mostrar essa mudança, procurando perceber porque não aumenta a produtividade das suas empresas, em vez de passarem o tempo a pedirem reduções de impostos.

Basta ouvir o testemunho de alguns jovens que trabalham no exterior para perceber como ainda estamos impregnados de Estado Novo em matéria de trabalho. A um ponto que agora se criou o vício de considerar que, porque se emprega muita gente, se está a fazer um favor ao país e aos trabalhadores, como se essas pessoas não estivessem a criar valor mais do que suficiente – por vezes muito mais do que o suficiente – para pagarem o seu salário.

É por aqui, pelo apoio às empresas que efectivamente promovem o crescimento da produtividade, a formação dos colaboradores e a sua carreira, que pagam os salários justos, que deviam actuar as políticas públicas. Como se deviam focar na simplificação da vida das empresas e das pessoas com regimes fiscais mais simples, menos burocracia e melhores transportes públicos, escolas e centros de saúde. Dar aos jovens menos impostos não é necessário nem suficiente para os manter por cá.

Seja como for estamos a debater uma medida para 2025 que na realidade não temos nenhuma certeza de que entrará algum dia em vigor, levando em conta a maioria limitada que a AD tem e aquele que tem sido o comportamento do PS. Os socialistas não estão também focados no essencial, continuam na lógica de “coitadinhos dos pobrezinhos”.

Há uma outra medida que é igualmente enganadora. A da garantia pública para a compra de casa. O governador do Banco de Portugal classificou-a de “complexa”. Tentando traduzir o que disse Mário Centeno, é óbvio que os bancos não poderão conceder empréstimos se o devedor não tiver rendimento para o pagar, mesmo com garantia pública. Mais uma vez estamos a tratar uma doença com terapias que nada resolvem e apenas criam ilusões, além de serem contrárias às exigências actuais de maior mobilidade que recomendam mais arrendamento e menos compra de casa.

Durante a pandemia e com o surto inflacionista todas as recomendações foram no sentido de não se criarem despesas duradouras, os apoios deviam ser transitórios. Agora parece que nos esquecemos disso ou estamos ricos. São os milagres gerados pelas eleições, que se podem transformar em pesadelos, até porque com a actual geometria partidária corremos o risco de entrar na corrida do quem dá mais.

Não ficámos ricos de repente, temos de continuar a reduzir a dívida e era bom que PSD e PS contribuíssem para a literacia financeira e maturidade dos portugueses em vez de continuarem na senda da criação de um batalhão de dependentes –  ler João Miguel Tavares por exemplo. Mais grave ainda é que estamos a transformar o estado previdência no Estado assistencialista de coitadinhos dos pobrezinhos – com o PS – e coitadinhos de quase todos – em versão AD –, como se o Estado Novo não tivesse saído de nós. Quando não existe coragem política para atacar o núcleo central dos problemas, andamos nisto de “dar dinheiro” ao povo, em vez de dar ferramentas para o povo criar o seu dinheiro.