Pode haver gostos, empatias, ressentimentos, raivas, ou seja muita emoção pura, mas a generalidade dos eleitores vai votar nas próximas eleições legislativas de acordo com a percepção que tiver, mesmo que de forma pouco estruturada, de qual o partido/coligação que melhor responde às suas seguintes seis principais preocupações.
Qual o partido/coligação que acredita que irá:
- Influenciar mais positivamente o crescimento económico e a criação de emprego.
- Garantir uma maior abrangência e qualidade dos principais serviços públicos.
- Contribuir para uma maior sustentabilidade do modelo social, incluindo das pensões de reforma.
- Conter o nível de fiscalidade ou mesmo reduzi-lo.
- Melhor combater as injustiças sociais, os privilégios que geram desigualdades, e a promiscuidade político-económica.
E finalmente a 6ª preocupação: Qual o partido/coligação em cuja liderança mais se pode confiar e que poderá construir uma solução e um projeto governativo mais estável e duradouro, que evite novas crises.
Existirão outras questões importantes como a da sustentabilidade ambiental, a requalificação das cidades ou a promoção da cultura mas neste momento não são consideradas, pela generalidade das pessoas, tão relevantes para a sua decisão como as enunciadas.
E vai ser assim porque as pessoas sabem aquilo que mais lhes importa na sua vida real, de todos os dias, e antecipam quem lhes pode garantir, no futuro, maior qualidade de vida para si e para os seus.
Claro que eleitores provenientes de diferentes segmentos – jovens, reformados, funcionários públicos, trabalhadores por conta de outrem, pequenos e médios empresários, etc. – darão uma ponderação diferente relativamente a cada uma destas questões, mas elas não deixarão de estar sempre presentes.
A percepção que nestas matérias os eleitores foram e vão adquirindo será construída com base no posicionamento ideológico que à partida terão, na sua experiência pessoal e direta vivida nos últimos anos – se ficaram no desemprego ou os seus filhos, se lhes cortaram na pensão ou subsidio, se não foram bem tratados no SNS, etc. – e por tudo o que vão registando a partir dos media. Só uma ínfima parte dos eleitores lerá os programas dos partidos.
A grande maioria dos eleitores irá votar nas próximas eleições no PS ou na coligação (PSD+ CDS/PP), excluindo-se assim a possibilidade de uma forte erosão na votação nestes partidos “de governo”, como a verificada nalguns outros países.
Uma tão grande erosão não vai acontecer fundamentalmente porque os maiores partidos não se deixaram descredibilizar tanto como noutros países, porque manifestaram alguma responsabilidade na emergência da bancarrota, porque o plano da troika (muito complementado pela política do BCE) teve algum sucesso e, fundamentalmente, porque os portugueses acabaram por demonstrar uma assinalável prudência e espirito de sacrifício e agora preferem votar mais útil e em quem lhes der maior estabilidade e alguma esperança.
Como se pode verificar na tabela abaixo, a votação média total verificada nos partidos PS+PSD+CDS/PP nas 14 eleições legislativas já realizadas em democracia foi de cerca de 78%, nunca tendo essa votação descido da casa dos 70% (exceto em 1985 devido ao fenómeno PRD que alcançou nesse ano 18% dos votos) chegando mesmo a alcançar mais do que 80% por cinco vezes.
Também é interessante verificar, na tabela abaixo, que a votação média alcançada pelo PSD+CDS/PP nas 14 eleições legislativas já ocorridas é de 44%, tendo essa mesma média também se verificado nas últimas 4 eleições (entre 2002 e 2011). A votação mais baixa alcançada pelo conjunto dos dois partidos foi de 34% em 1975 e de 36% em 2005 (as duas únicas eleições em que ficaram claramente baixo dos 40%), e a mais alta, cerca de 55%, em 87 e 91 com Cavaco Silva.
Numa análise simplista, mas sem deixar de ter algum significado, pode dizer-se a partir destes números e em termos gerais que 44% do país vota tendencialmente mais à direita e 53% mais à esquerda (cerca de 3% serão votos nulos e brancos), sem prejuízo da parte tendencialmente minoritária poder, em determinadas alturas, alcançar a predominância, o que dependerá de circunstâncias próprias do momento e também do valor acrescentado do líder. Também se sabe que mais à direita o voto é mais concentrado e as coligações se formam aí mais facilmente.
Estamos a menos de um mês do ato eleitoral com as sondagens a indicarem um quase empate entre o PS e a coligação.
Muitos já terão uma posição firme interiormente assumida mas tudo indica que a definição do vencedor, em termos de número de votos, entre PS ou coligação, vai resultar da opção final que será tomada por aqueles que ainda se encontram indecisos (em votar ou não e em quem) ou pouco convencidos.
Uns, ao centro, estarão indecisos entre votar na coligação ou no PS, outros mais à esquerda, entre votar à esquerda do PS ou dar o voto útil a este partido.
Valerá assim a pena aplicar a “metodologia das preocupações/questões” apresentada, pensando, mais em particular, naqueles que estarão indecisos ao centro, porventura os mais determinantes neste caso, e que, ideologicamente, não serão tão radicais.
Quanto à primeira preocupação/questão (quem trará mais crescimento económico e empregos) a percepção dos eleitores ao centro deverá ser ligeiramente favorável à coligação.
De facto o País tem registado alguma evolução favorável nos últimos tempos, que, mesmo não sendo muito estrutural e muito menos consolidada, tem vindo a dar às pessoas o sentimento de que a tendência é agora positiva, pois o PIB está a crescer e o desemprego a diminuir. O facto de no período desta legislatura o PIB ter caído, do número de empregos ter diminuído e da emigração ter aumentado atenuará a sensação positiva registada mas esta não deverá por isso passar de positiva a negativa.
De notar que em termos de futuro económico as previsões macroeconómicas e orçamentais do PS e da coligação (esta não apresentou infelizmente números no seu programa de governo – a minha solicitação “Senhores candidatos a PM queremos um DEO”, só terá sido ouvida pelo PS e como tal no caso da coligação tivemos que usar os números do Programa de Estabilidade o que não permitirá uma comparação muito rigorosa) apresentam algumas diferenças em particular em certos indicadores relevantes, como se pode ver na tabela abaixo.
As diferenças não são abissais dada a inércia estrutural da nossa Economia e os limites trazidos pelos constrangimentos orçamentais e pela supervisão europeia.
O PS faz aparentemente uma aposta mais arriscada ao apostar em estímulos ao consumo e num maior investimento público, para potenciar maior crescimento económico (PIB em 2019 será 3% acima do previsto pela coligação) o que não é garantido que venha a acontecer até porque o PS não apresenta políticas que venham melhorar substancialmente o enquadramento ao investimento privado, que será determinante para esse crescimento.
O PS trará ainda o risco adicional de permitir maiores deficits orçamentais, o que contribui para que em 2019 a sua previsão seja de alcançarmos uma divida publica de 118%, acima do estimado pela coligação em 10% do PIB, tudo isso sendo consistente com uma imagem que terá de maior despesismo.
Mas em termos de diferenças numéricas a que salta mais à vista é a da previsão do nível de desemprego em 2019, (11,1% da coligação versus 7,2% do PS) sendo que previsões a nível desta variável revelam-se mais um ato de fé do que um rigoroso exercício analítico.
Quanto à segunda preocupação (abrangência e qualidade dos serviços públicos) a percepção dos eleitores poderá ser mais favorável ao PS. Por um lado pelo aparente lado frio da atual coligação ao apostar em cortes e na eficiência, sem ficar claro que tal não tenha prejudicado a qualidade dos serviços, e depois porque tradicionalmente o PS é visto como um partido defensor de uma maior abrangência dos serviços públicos.
Quanto à terceira perceção (sustentabilidade da segurança social e das pensões) haverá uma percepção empatada. A coligação ganha na medida em que marginalmente se acredita que poderá trazer mais crescimento económico e emprego e como tal tornará a segurança social mais sustentável, mas o PS ganha pela afirmação constante de que não irá baixar as pensões já existentes, mesmo que essa promessa gere dúvidas da sua exequibilidade a médio/longo prazo. O empate continua com a discussão sobre os riscos do plafonamento (um dito vertical e o outro horizontal) que aliás nem são entendidos pela maioria dos votantes.
Quanto à quarta preocupação (conter ou mesmo reduzir o nível da fiscalidade) a percepção será marginalmente mais favorável à coligação. E é apenas marginalmente favorável porque a coligação é vista como tendo carregado demais nos últimos anos nos impostos e de menos na redução da despesa, e agora em campanha eleitoral não ter querido hastear a bandeira da redução dos impostos que deveria ser sua. O PS avança com uma redução de impostos/contribuições no caso da TSU para os trabalhadores, mas que é apenas temporária e pode ter reflexo negativo nas pensões futuras, aumenta impostos no caso do IRS (pelo menos para certos escalões), cria novos impostos no caso do imposto sucessório e não reduz alguns impostos como o já previsto no caso do IRC. Em termos agregados o PS aumenta o deficit orçamental e a divida pública, o que muitas pessoas já compreendem que deverá representar mais impostos para o futuro.
Quanto à quinta preocupação (combater as injustiças sociais, os privilégios e a promiscuidade politico económica), a percepção será ligeiramente favorável ao PS, sendo essa vantagem ganha apenas por deter uma imagem mais favorável quanto ao combate às injustiças sociais, pois no combate aos privilégios e à promiscuidade os eleitores já não vêm diferenças entre o PS e a coligação.
Quanta à sexta preocupação (a confiança na liderança, a criação de uma plataforma mais estável e a não repetição de crises) aí é que a “porca torce o rabo”, podendo se tornar a mais decisiva, até porque em parte é um sumário de todas as outras.
O facto de António Costa ter tido dificuldade em se libertar das percebidas consequências negativas da última governação socialista, de não se ter suficientemente demarcado da fação socrática, de evidenciar algum zig zag na tomada de posições, porque quer agradar a várias audiências, de não resistir a por vezes usar de demasiada demagogia e populismo, e do seu programa estar mais próximo da reposição de “direitos” antigos, e mais afastado das forças mais dinâmicas da Sociedade cria uma perceção menos positiva para uma parte significativa do eleitorado, nomeadamente para do centro. Acresce que tendo trazido uma ou outra cara nova com valor para o terreno a prevalência da antiga equipa ainda é entendida como demasiada.
O facto de Passos Coelho ter prometido coisas no passado que não foi capaz de cumprir, mesmo que possam existir algumas razões para isso, e de o mérito da sua governação e coligação parecer se ter esgotado no cumprimento do programa da troika, no regresso aos mercados e nalguma recuperação económica, prejudicará a perceção que os eleitores terão dele. Passos tem demonstrado dificuldade em explicar e se demarcar da acusação de que enganou os eleitores ao ter afirmado antes das eleições que não reduziria mais as pensões nem os ordenados da função pública, o que não veio a acontecer. Pergunta-se ainda se a coligação, e com estes protagonistas, não estará esgotada e se poderá ainda trazer ainda algo de novo para o futuro.
Em conclusão quanto à sexta preocupação e em geral relativamente a tudo o resto o PS e a coligação estarão neste momento empatados ou muito próximos disso quanto aos votos que poderão atrair, tanto no que diz respeito ao geral dos eleitores como, em particular, relativamente aos indecisos (ou pouco convencidos) posicionados ao centro.
O espaço de possível crescimento a partir da posição atual para o PS, podendo ser um pouco superior, não será muito maior do que o da coligação, ao contrário do que alguns dizem.
É certo que o PS poderá crescer ao centro e à esquerda, mas, naturalmente, será difícil crescer ao mesmo tempo e significativamente para ambos os lados (discurso ziguezagueante).
Acresce que as atuais sondagens já dão ao PS uma votação que anda na sua média histórica das 14 últimas eleições (33,7% – ver tabela abaixo- por curiosidade a do PSD é de 34,7%, considerando-se no caso da AD que o PSD vale 79%, sendo certo que nas últimas quatro eleições legislativas a média da votação para o PS é de 36,9% e para o PSD de 34,2%). Subir muito acima dessa média, seria mais realista noutras circunstâncias (por exemplo se tivesse havido um falhanço absoluto do governo na governação) e/ou se o PS viesse há mais tempo a demonstrar uma forte dinâmica de crescimento.
A coligação com as sondagens a indicar 33/35% dos votantes e sendo a sua média histórica e tendencial de 44%, como vimos, também terá espaço para crescer. Claro que o desgaste da governação em tempo de crise deverá levar a coligação a ficar abaixo da sua média histórica, mas o desempenho do governo apresenta alguns aspetos positivos que se bem trabalhados, e em conjunto com ataques mais certeiros ao PS, poderão atrair mais votantes e possibilitar à coligação subir pelo menos mais 2 ou 3 pontos percentuais.
Até ao dia das eleições ainda vão decorrer acontecimentos que poderão influenciar a perceção dos eleitores em relação a todas estas questões.
As repercussões do debate televisivo realizado no passado dia 9 entre Costa e Passos Coelho – com vantagem para o primeiro que se mostrou mais assertivo e combativo (com Passos a não conseguir evidenciar suficientemente os riscos e fragilidades do modelo económico do PS e afirmar o que de novo vai fazer no futuro) – os próximos debates, as possíveis intervenções de Sócrates, o desfecho do novo banco, poderão provocar alguma alteração nos pratos da balança que como vimos estarão neste momento mais ou menos equilibrados.
Mas o que vai determinar se no final será o PS ou a coligação a ter mais votos será a dinâmica que cada um dos contendores vier a conseguir imprimir nesta ponta final que levará a uma consequente evolução da perceção dos eleitores sobre quem melhor responde às suas preocupações.
A percebida vitória, se bem que não por larga margem, de António Costa no último debate poderá ter trazido alguma vantagem à partida para o PS na dinâmica para esta reta final. Mas não parece que para a coligação as coisas já estejam perdidas.
O PS terá mais votos que a coligação se conseguir reforçar a imagem de que Passos não é confiável pois não terá cumprido relevantes promessas eleitorais passadas, que a coligação só tem a oferecer mais austeridade se bem que mais suavizada, que o programa da coligação não está suportado em números, que os resultados obtidos pela coligação na legislatura que agora finda não são tão bons como parecem, que a atual coligação, pelo menos com os acuais protagonistas e políticas, está esgotada.
A coligação terá mais votos se conseguir demonstrar as fragilidades do modelo económico do PS – que os números não são mais do que um exercício artificial de excel, que o crescimento económico não acontecerá com a medidas propostas pelo PS, que o PS nunca foi particularmente bom a estimular crescimentos reais e sustentados, que o PS é mais estatizante e acredita pouco na iniciativa dos portugueses, que o deficit orçamental do PS não vai descer dos 3%, que a divida pública vais ser maior do que com a coligação (mais 10% do PIB), que virão assim mais impostos, que vamos perder o bom crédito internacional que nos custou tanto a ganhar, que os juros da divida vão subir, que nos arriscamos a entrar numa nova período de crise.
O que vai portanto determinar o resultado final será principalmente a capacidade por um lado do líder do PS e por outro do líder da coligação, e das respetivas equipas, de fazerem a correta leitura da situação e com combatividade, organização, assertividade, foco, consistência passarem as mensagens que mais os irão favorecer junto ao eleitor e, em particular, junto aos indecisos, na altura do voto. O facto de provavelmente ser bastante mais importante para António Costa, em termos pessoais e políticos, ganhar estas eleições do que para Passos Coelho poderá traduzir-se numa sua maior motivação combativa face à do líder da coligação, que além disso tem por natureza um registo menos expansivo.
Para uns, mais adeptos da coligação, a vitória desta nestas eleições será muito importante para que não se parem ou não se invertam as reformas e tendências verificadas nos últimos anos e que consideram muito positivas. Para outros, mais adeptos do PS, acreditam que o que é necessário é travar, ou mesmo inverter, essas reformas e tendências.
No geral acredita-se que para o bem e para o mal existe um enquadramento de regras europeias que ajudará sempre a evitar ou mitigar os excessos orçamentais. E afinal a maioria absoluta será praticamente impossível de alcançar sendo portanto provável que, dentro de um ano ou dois, voltemos a ter eleições. Aí poderá ser corrigido um eventual erro de julgamento que agora venha a ser cometido.
O que será porventura frustrante para muitos portugueses é entenderem que ainda não é desta que lhes é apresentado, seja pela coligação, PS ou por outro qualquer partido, um projeto e uma estratégia para o País, com os respetivos protagonistas, que verdadeiramente os convença e os leve a acreditar que o futuro irá ser muito melhor.
Terão que esperar pelo menos mais um ou dois anos …