Não temos razões para comemorar euforicamente o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a que a UNESCO atribuiu a data de 3 de Maio. Apesar dos bons olhos de alguns partidos os terem levado a apresentar Votos de Saudação na Assembleia Municipal de Lisboa, caso do CDS. As democracias liberais são a tradução política do nosso modo de vida, da cultura e do pensamento ocidental, e entre outras condições indispensáveis assentam na liberdade de imprensa.

É pena que em Portugal não haja mais imprensa livre. O que há, na maioria dos media portugueses, é uma manifesta inviabilidade do modelo de negócio que os condena à dependência, seja do Estado, dos bancos, dos accionistas, dos grupos económicos exteriores à comunicação social, mas raramente dos leitores, ouvintes, espectadores, e clientes. Há poucos órgãos, e na televisão não há um único, que não se encaixem numa destas categorias. Com a agravante da televisão ter um poder incomparavelmente superior às rádios, aos jornais, ou a quaisquer outros media. Na televisão portuguesa, cada vez há mais canais: os da RTP que, por ser pública, somos obrigados a pagar; e mais um inferno de canais privados que indirectamente também pagamos, através de subsídios, de perdões de dívida, e dos mais variados mecanismos. Um mau hábito que os torna, a eles, dependentes de decisões alheias ao jornalismo, e a nós, pagadores de um serviço que não queremos nem tem condições para ser bom.

Esta condição mendicante transforma as estações de televisão em cópias umas das outras. No fim de contas pagamos público, pagamos privado, e não temos jornalismo suficientemente livre e plural. Porquê? Porque o jornalismo livre só existe se for exclusivamente dependente dos espectadores, se viver de assinaturas e da publicidade que esses espectadores justificam por interesses comerciais. Isso em Portugal não existe. O que acaba por acontecer é que o jornalismo, quase todo o jornalismo mas sobretudo o televisivo, obedece sobretudo a interesses políticos. E assistimos às consequências dessa falta de liberdade. Quando o dono de um canal de televisão é o Estado, ele obedece aos interesses políticos de quem manda no Estado. Se em vez do Estado o canal for de um grupo económico cuja sobrevivência não fique assegurada por aquele modelo de negócio, e se mesmo assim o canal se mantiver no ar, ano após ano, o interesse não é o lucro. O interesse em manter vivo aquele canal está mal explicado, a independência jornalística daquele canal está comprometida.

Como é evidente, a hegemonia das perspectivas mostradas, da opinião, da política editorial, é cada vez mais provável. Mais, é estimulada, inclina-se para a propaganda. Em Portugal, esta hegemonia percorre todo aquele longo e fastidioso caminho mental que vai da esquerda até à extrema-esquerda. Em dias de festa, temos surpresas. Como nas eleições do dia 10 de Março, em que o Chega perdeu todos os debates, primeiro vencido pelos outros candidatos, depois abominado por todos os comentadores, sem uma única excepção; afinal elegeu 50 deputados à Assembleia da República. Ninguém nas televisões tinha compreendido isto.

Os directores de informação das nossas televisões imaginam que o país é aquilo que eles ouvem nos telemóveis deles. Em vez de sair do estúdio para ver e compreender o país, verdadeiramente, respeitosamente, não; os senhores directores acham que o Portugal que interessa é o que lhes chega às orelhas pelo telemóvel, através de quem liga para os telemóveis deles, e a quem chamam “fontes”. Quando se ouve a beldade do telejornal dizer que “os portugueses” pensam isto ou aquilo, já sabemos que “os portugueses” coisa nenhuma. Quem pensa aquelas fantasias são as “fontes” que telefonaram para o senhor director. Em parte por penúria, mas também por essa circunstância, em lugar de notícias os canais de televisão dão-nos comentadores. Ou seja, em lugar de notícias, servem-nos o que devemos pensar sobre as notícias. As ideias cozinhadas e as opiniões mastigadas, prontas a engolir, como os frascos de comida dos bebés.

Vai continuar assim. Vem aí um canal novo de informação e percebeu-se, pelos sábios que já contrataram e anunciaram, que vai ser igualinho aos outros. Vamos continuar a ter uma televisão que não compreende o país, vamos continuar a ter fenómenos de grande estupefacção, nunca ninguém percebeu, nunca ninguém antecipou o que podia acontecer. Todos em coro, jornalistas e comentadores vão seguir abominando as iminentes ameaças que a esquerda manda abominar. É a consequência de uma imprensa pouco livre, mas é também um sinal de pouca saúde da nossa democracia.

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