Não sei se vai aparecer mais um partido à direita ou se ao centro. Se vai ser liberal, conservador ou ambas as coisas. Ou talvez nenhuma delas. Não sei nada sobre esse assunto e muito menos sei onde pára a oposição (estou até em crer que o PSD resolveu experimentar em si próprio as vantagens da morte assistida). Mas sei que assim não podemos continuar porque esgotado o dinheiro e com Bruxelas a apertar os cordões da bolsa, o foguetório vai deslocar-se das reposições na função pública para os safanões ao sector privado. Aliás se repararmos, cada vez mais o modo imperativo só se usa em Portugal em duas circunstâncias: em primeiro lugar, para numa retórica de profecia iluminista nos garantir que todas as causas já anunciadas e por anunciar pela esquerda irão ser passadas à prática, logo qualquer forma de oposição a esse futuro inscrito na História é uma pura perda de tempo. Em segundo, para espalhar a boa nova da última iniciativa legislativa que visa regular, controlar e disciplinar o sector privado.

Em alguns casos o anunciado são meras engenharias ideológicas só passíveis de saírem da cabeça de quem se sente dono disto tudo ou seja do Estado. Veja-se por exemplo a legislação sobre “medidas de promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens” aprovada no parlamento naquele alucinado frenesi de votações que ali teve lugar antes dos parlamentares irem de férias. A dita legislação escrevia-se nos jornais , “exige às empresas transparência remuneratória“. Ou seja  as empresas vão ter de explicar porque contratam homens ou mulheres para determinadas funções. “A lei vai, ainda, obrigar as empresas a publicarem estatísticas no primeiro semestre de cada ano sobre as diferenças remuneratórias entre mulheres e homens

Interessante e revelador este uso dos verbos exigir e obrigar. O Estado português não consegue literalmente prestar contas pelo material militar depositados nos paióis.  O Tribunal Constitucional deixa prescrever as multas aos partidos. O parlamento declara-se incompetente para avaliar as moradas dos deputados. Mas o Estado exige ser esclarecido pelos empresários sobre as razões que levam as empresas a escolher homens ou mulheres, para ocupar postos de trabalho. De caminho ainda se obrigam as empresas a entregarem mais uns papéis ou mais precisamente uns mapinhas com estatísticas (É imenso o número de horas e recursos que as empresas perdem em burocracias idiotas. Aliás neste caso à idiotice soma-se a inutilidade pois todos os meses as empresas enviam os dados dos seus trabalhadores à Segurança Social. Portanto é só fazer as contas aos M e aos F).

O que não é Estado é cada vez mais visto como uma anomalia. Um desvio. Uma malformação que há que corrigir e controlar, na impossibilidade de erradicar como prova a recente legislação sobre alojamento local. Vale a pena escalpelizarmos o que agora foi aprovado no parlamento sobre o alojamento local pois o que aí está nesse tropel de medidas é o retrato de um governo acantonado no Estado:

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As câmaras vão poder estabelecer limites à instalação de novos estabelecimentos em áreas onde se perfila maior sobrecarga do alojamento local face ao volume para habitação (são as chamadas “zonas de contenção”). Nestas ‘zonas de contenção’ a criar pelas câmaras (no caso dos municípios quererem criar quotas), cada proprietário de alojamento local não pode ter mais de sete estabelecimentos.

Porquê sete? Porque não dez? Cinco? Uma dúzia?Admitindo que este tecto máximo não foi definido a partir da canção de roda “Sete e sete são catorze/ com mais sete vinte um/ tenho sete namorados/ mas não gosto de nenhum” em que se baseia este limite? Por outro lado a ideia de que existe uma “sobrecarga do alojamento local face ao volume para habitação” é uma mistificação pois o alojamento local não roubou fogos à habitação: a maioria dos fogos afectados ao alojamento local estavam devolutos.

Os condomínios vão poder aprovar o “pagamento de uma contribuição adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns, com um limite de 30% do valor anual da quota respetiva”.

O agravamento das quotas de condomínio para o alojamento local é pura sanha ideológica. Nesse caso a senhora que vive sozinha no 1º andar e nem sequer usa o elevador devia pagar muito menos condomínio que aquela família numerosa do sexto cujos filhos, amigos dos filhos, namorados e família extensa trazem os elevadores num virote e as escadas num pandemónio. E os proprietários de andares vagos vão continuar a pagar condomínio como se residissem no edifício?

Quem detenha ou explore um alojamento local em edifícios em propriedade horizontal tem de dispor de um seguro multi-riscos obrigatório para fazer face a eventuais danos pelo uso acrescido nas partes comuns do prédio, sendo que, a falta de existência deste seguro “é fundamento de cancelamento do registo”.

O  seguro das partes comuns em edifícios em propriedade horizontal já é obrigatório logo o que se está a exigir é uma duplicação do seguro aos proprietários do alojamento local. As companhias de seguros agradecem mas isto é um disparate. Aliás o culpado está encontrado à partida para tudo que aconteça no condomínio: “O titular do alojamento local tem ainda de “responder, independentemente da existência de culpa, pelos danos causados aos destinatários dos serviços ou a terceiros, decorrentes da atividade de prestação de serviços de alojamento.”

Os alojamentos locais ficam ainda obrigados a ter um livro com todas as normas de funcionamento disponíveis aos hóspedes e em várias línguas, informando desde como se processa a recolha do lixo até normas de ruído ou funcionamento dos eletrodomésticos.

Em matéria de ruído quem prefere ter a viver no prédio: uma família numerosa; um casal em processo de divórcio; uma velhinha amorosa mas surda que insiste em ter a televisão ligada até tarde; um apartamento alugado a estudantes; um senhor silenciosíssimo que deixa sozinhos em casa três cães que ladram furiosamente até ele chegar ou um alojamento local?  Sobre os manuais versando o funcionamento dos electrodomésticos desconheço as motivações do legislador mas se o dito livro incluir explicações para o funcionamento de uma sorveteira agradeço cópia. Já sobre o impacto dos turistas no lixo espalhados pelas ruas, no caso concreto, pelas ruas de Lisboa convém que se tenha em conta que em democracia o limite para a demagogia é o ridículo: nessa geringonça antecipada que governa há anos Lisboa, os socialistas cederam às mais absurdas reivindicações  para que o então presidente da autarquia, António Costa, não fosse confrontado com greves na recolha do lixo. Fernando Medina herdou-lhe as tácticas: no final de 2017, subscreveu um acordo com os sindicatos afectos à CGTP em que garantia que a CML não iria externalizar mais serviços de lavagem de contentores. Acordou também que durante as férias os trabalhadores passariam a receber subsídio nocturno, sendo que na CML para se considerar que se faz serviço nocturno basta trabalhar pelo menos uma hora de trabalho diário no período nocturno. Medina também deu o seu aval ao pagamento de 5 anos de retroactivos do trabalho nocturno (de 2013 a 2017) para os trabalhadores da recolha do lixo. E assim de reposição em progressão, para mais desembaraçados da concorrência dos privados, os trabalhadores da recolha do lixo na capital cada vez recolhem menos lixo. Este acumula-se em locais por onde nunca passou turista algum mas segundo a versão oficial dos factos em Lisboa o lixo resulta do aumento do número de turistas.

Depois da aprovação desta legislação conseguirá o alojamento local continuar a desempenhar o papel de “plano poupança reforma” para muitas famílias? De seguro no desemprego ou divórcio para outras? Estas dúvidas parecem não inquietar o Governo. Afinal  o socialismo é cada vez mais criar dependentes do Estado.

PS. Nos afamados serviços privados de saúde frequentados pelo deputado comunista António Filipe  existem certamente consultas para a perda de memória. Ma se não for esse o caso o senhor deputado terá de se desenvencilhar no centro de saúde da sua residência e entre a consulta de urgência mais a espera por uma desistência e a marcação no médico de família para daqui a dois meses é óbvio  que António Filipe tem de se pronunciar sobre as  palavras que proferiu no parlamento em Janeiro de 2014 a propósito da privatização dos estaleiros de Viana do Castelo: “Nós entendemos que a indústria naval é necessária ao nosso País e rejeitamos totalmente a decisão política do Governo de liquidar a construção naval em Portugal. Garantias de que os Estaleiros Navais de Viana continuarão a fazer construção naval não há nenhumas. Zero garantias de que a empresa poderá continuar a fazer aquilo que sempre soube fazer.