Na Actualidade Religiosa do passado dia 6, o jornalista Filipe d’Avillez noticiou que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), a pedido de Tom Mortier, condenou a Bélgica, por violação do direito à vida, no caso da eutanásia de sua mãe, Godlieva de Troyer, de 64 anos, que sofria de depressão crónica.
Foram flagrantes as irregularidades verificadas neste processo: a morte de Godlieva de Troyer, que não tinha cancro e que era há mais de vinte anos seguida por um psiquiatra, foi decidida por um oncologista, activista da eutanásia, que tinha recebido um donativo da vítima. Por outro lado, a família da eutanasiada nunca foi informada sobre o processo correspondente, embora fosse notória a insuficiência do seu consentimento, dado o estado depressivo em que se encontrava. Por último, quando a família, chocada com a inesperada morte de Godlieva, exigiu uma investigação, o médico, que tinha recebido o donativo e decidiu a eutanásia, fez parte da comissão de inquérito!
Embora só agora, no passado dia 4 de Outubro, o TEDH tenha decidido a favor de Tom Mortier, a morte da sua mãe aconteceu há já dez anos, em 2012, por injecção letal, alegando-se a vítima sofrer de ‘depressão incurável’.
Não obstante a eutanásia estar legalizada na Bélgica, onde é praticada em larga escala – sete pessoas, por dia, são eutanasiadas no país que foi, com os Países Baixos, pioneiro na sua legalização – o TEDH entendeu que a Bélgica infringiu, neste caso, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. O Tribunal considerou que houve uma violação do artigo 2º da Convenção, segundo o qual o direito à vida deve ser garantido. Neste caso, a acção não versou sobre a legitimidade da lei que permite o homicídio a pedido, nem sobre as normas que, na Bélgica, regulamentam a prática da eutanásia, mas sobre a forma como a Comissão Federal belga para o Controlo e Avaliação da Eutanásia procedeu em relação a Troyer, bem como sobre o processo de averiguações instaurado quanto à morte da mãe de Tom Mortier.
O TEDH, sem criticar o quadro legislativo belga, mas “tendo em conta o papel crucial desempenhado pela Comissão no controlo a posteriori da eutanásia”, considerou que “o sistema de controlo estabelecido no presente caso não garantiu a sua independência”. Assim sendo, concluiu que a Bélgica não cumpriu as suas obrigações em relação ao artigo 2º da Convenção, quer por falta de independência da Comissão, quer ainda pela celeridade da posterior investigação criminal.
A ADF International representou Tom Mortier no TEDH. Robert Clarke, vice-director da ADF, manifestou a sua satisfação em relação à constatação, pelo TEDH, de que houve violação do princípio que obriga os Estados a proteger a vida dos cidadãos. Esta decisão judicial, na opinião de Clarke, “contraria a ideia de que existe o chamado ‘direito de morrer’ e manifesta os horrores que inevitavelmente acontecem quando a eutanásia é legalizada”. Infelizmente, embora o Tribunal tenha indicado que eram necessárias mais medidas de ‘salvaguarda’, para que, em casos análogos, se proteja a vida, a decisão do TEDH deixou claro que, de facto, as leis e os protocolos existentes na Bélgica foram insuficientes para proteger os direitos de Godlieva de Troyer, bem como as legítimas expectativas da sua família.
Segundo o vice-director da ADF International, “é lamentável que o Tribunal tenha rejeitado a contestação do quadro jurídico belga; no entanto, a conclusão de que as ‘salvaguardas’ apresentadas, como garantias da proteção dada às pessoas vulneráveis, deveria suscitar uma atitude mais cautelosa em relação à eutanásia, na Europa e no mundo. A realidade é que não há ‘salvaguardas’ que possam mitigar os perigos da eutanásia, uma vez legalizada. Nada pode trazer de volta a mãe de Tom, mas esperamos que esta decisão ofereça ao filho de Godlieva de Troyer um pouco de justiça.”
Este caso é paradigmático de quão enganosa é a promessa de uma ‘morte digna’, quando a lei prevê a possibilidade do homicídio a pedido. Neste caso, por exemplo, a mãe de Tom Mortier, embora doente psiquiátrica, conseguiu o necessário aval médico de um oncologista, principal defensor da eutanásia na Bélgica, a quem Godlieva de Troyer tinha dado um donativo para uma sua organização. Foi este médico que encaminhou a mãe de Tom Mortier para outros médicos, também partidários da eutanásia, e que igualmente faziam parte da instituição que recebeu o donativo, não obstante a exigência legal de pareceres independentes, no caso de doentes não terminais. Por último, o mesmo médico que lhe administrou a injeção letal é também copresidente da Comissão Federal encarregada de aprovar a prática da eutanásia.
Para Tom Mortier, “o grande problema da nossa sociedade é que, aparentemente, perdemos o sentido de cuidar uns dos outros.” Antes de a sua mãe ser legalmente morta, o filho, nem nenhum outro membro da família, foram consultados ou informados. A lei belga determina que a eutanásia só pode ser aplicada a quem esteja numa situação médica “de sofrimento físico ou mental, constante e intolerável, não susceptível de alívio e que é resultante de um distúrbio grave e incurável, causado por doença ou acidente”. Godlieva de Troyer era fisicamente saudável e o seu psiquiatra, que o foi durante mais de vinte anos, duvidava que esta sua paciente preenchesse os requisitos que a lei belga exige para a eutanásia. No entanto foi, legalmente, morta na Bélgica. Tanto o oncologista que deu o seu parecer favorável, como o hospital em que foi praticada a eutanásia, não informaram a família de que a mãe de Tom Mortier tinha pedido para ser morta. Só no dia seguinte ao falecimento é que o filho foi informado.
Em relação à sentença do TEDH, Tom Mortier disse: “embora nada possa aliviar a dor pela perda da minha mãe, tenho a esperança de que a decisão do Tribunal (Europeu dos Direitos Humanos) de que houve, de facto, uma violação do direito à vida, coloque o mundo em alerta quanto ao imenso dano que a eutanásia inflige, não apenas às pessoas em situação vulnerável (…), mas também às suas famílias e a toda a sociedade”.
Quem matou a mãe de Tom? Quem propôs, aprovou, promulgou e executou a lei da eutanásia. Na realidade, foram todos eles, bem como os cidadãos que elegeram os políticos que instauraram o homicídio a pedido, ou seja, quase toda a Bélgica que, por isso, foi agora condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. É isto que queremos para Portugal?!