Celebra-se a 20 de Junho o Dia Mundial dos Refugiados, uma data instituída pelas Nações Unidas no ano de 2001 por ocasião do 50º aniversário da Convenção Relativa ao Estatuto de Refugiado (1951). De acordo com dados recentes, estima-se que existam actualmente no mundo mais de 65 milhões de refugiados e deslocados, forçados a fugir de todo o tipo de contextos de guerra, conflitos e perseguições. Trata-se de um verdadeiro flagelo humanitário que conheceu o seu ponto mais alto, desde a segunda guerra mundial, na Europa, com a crise despoletada em 2015 obrigando os Estados-Membros da União Europeia a tomarem medidas e acções concertadas no plano de reinstalação e acolhimento de refugiados.
Foi no âmbito desses acordos, que Portugal recebeu cerca de 1520 refugiados, desde 2015, e se disponibilizou para acolher mais 1010 até ao final de 2019. Nesta contagem, não se inclui as centenas de requerentes espontâneos de protecção internacional que continuam a chegar ao nosso país, ano após ano, exigindo todo o tipo de esforços da sociedade de acolhimento no plano do acompanhamento e integração.
Como tem sido recorrente afirmar, Portugal é apontado com um dos bons exemplos no âmbito da União Europeia, no que toca à solidariedade que tem demonstrado no acolhimento de refugiados, seja a nível institucional e político, como da sociedade civil, uma posição que contrasta drasticamente com a de alguns Estados-Membros como a Hungria e a Bulgária, que ao invés, ergueram muros e fecharam fronteiras para impedir a sua entrada. Até ao momento, em Portugal, estes são temas de amplo consenso político e partidário, que não polarizam substancialmente a opinião pública e, felizmente, o tema dos refugiados não tem servido de pretexto, pelo menos de forma significativa, para a ascensão da extrema-direita e de movimentos populistas que tão fortemente têm marcado o debate Europeu e global.
Mas mais do que debater o estado de arte deste flagelo, a nível Europeu e global, ou a disponibilidade demonstrada em acolher, esta comemoração convoca também um outro tipo de reflexão sobre o que acontece no dia após a chegada.
O mediatismo e o debate sobre a realidade dos refugiados não se devem esgotar nas condições dramáticas em que milhares de pessoas se veem obrigadas a fugir, os perigos e riscos que percorrem durante a sua jornada até aos países de destino, mas também no seu futuro de vida e no lugar que podem e devem desempenhar numa nova sociedade. Porque a fase da chegada ao país de acolhimento é apenas a ponta do iceberg de um longo e árduo processo de reinstalação, adaptação e integração, numa sociedade desconhecida, repleto de desafios, incertezas e inseguranças face ao futuro. Após a chegada, qual é o destino destas pessoas? Como e em que condições são acolhidas? O que as espera? Que expectativas têm? Que balanço podemos fazer da nossa capacidade de acolhimento e integração? Que benefícios podem trazer ao nosso país? Esse exercício de balanço e follow-up é tão ou mais importante do que a disponibilidade demonstrada em acolher ou as manifestações públicas de choque e revolta pelo flagelo humanitário que tem despoletado todo o tipo de comentário político, análise e observações sobre a resposta Europeia à crise, a conjuntura internacional e os conflitos que estão na origem destas deslocações em massa.
E a este nível, em Portugal, se por um lado assistimos a um esforço notável de organizações de sociedade civil, por todo o país, que se uniu e organizou em rede para oferecer uma resposta eficaz ao acolhimento e acompanhamento de refugiados, por outro os requerentes de proteção internacional são confrontados com uma resposta lenta, excessivamente processual e desarticulada do Estado e de organismos públicos no tratamento de processos de regularização de estatuto de pessoas refugiadas e consequente atribuição de apoios e protecções a que têm direito: seja ao nível da decisão sobre a admissibilidade do pedido, da renovação de autorização de residência, da atribuição do NISS, como o da resposta final e concessão do estatuto de refugiado.
O incumprimento de prazos ao longo das várias fases do processo provoca, por exemplo, atrasos no acesso a acções de formação de Português, no acesso a apoios sociais, no início da actividade profissional, e acima de tudo, a impossibilidade de poderem pedir o reagrupamento familiar sem a concessão do estatuto de refugiado, o que pode levar até cerca de dois anos. Os refugiados vivem ainda dificuldades acrescidas de reconhecimento das suas qualificações e competências, vendo-se muitas vezes impossibilitados de prosseguirem a sua formação nos países de destino, e concretamente em Portugal. Estas circunstâncias levantam um conjunto de problemas e consequências para o dia-a-dia destas pessoas que, muitas vezes, veem as suas vidas suspensas durante largos meses, ou mesmo anos, sem a possibilidade de progredirem no seu processo de emancipação e autonomização, comprometendo a sua plena integração na sociedade.
Para além de todas as questões de carácter burocrático e processual que monopolizam e paralisam o início de uma nova vida, há questões mais profundas de enraizamento e dificuldade de comunicação e de adaptação a uma nova cultura, a uma nova língua e a um novo país sobretudo da primeira geração que aqui chega.
Quando penso nos refugiados de hoje recordo a imagem, que me foi transmitida, de todas as adversidades, solidão e estranheza que o meu bisavô, a minha avó e os seus irmãos, obrigados a deixar a Polónia, sentiram não só durante a sua jornada até Portugal mas no seu processo de adaptação e integração. Imagino como será sentir-se deslocado, dependente e sem a possibilidade de contribuir, como se idealiza, para a sociedade. A primeira geração é, em regra, a que mais dificuldade sente no processo de integração, seja em inícios do Séc. XX, seja nos dias de hoje. O drama dos refugiados não passa só pela jornada que os conduz até aos países de destino mas também por todos os desafios e adversidades que encontram quando procuram construir uma nova vida. E é também sobre estes que devemos falar e agir.
Mentora para o Diálogo Intercultural, Reach Alliance Global Network; Assessora para a Inclusão, o Diálogo Intercultural e a Acção Social no Gabinete de Vereação do PSD na Câmara Municipal de Lisboa