Tornou-se recorrente ouvir, através da comunicação social, anúncios sobre a disponibilidade do Governo Português para acolher refugiados e migrantes: ‘Portugal demonstra disponibilidade para acolher refugiados menores desacompanhados’; ‘Portugal vai acolher os oito jovens que desembarcaram no Algarve’; ‘Portugal acolhe mais 23 refugiados’; ‘Portugal recebe migrantes resgatados ao largo da costa da Líbia’; ‘Portugal manifesta disponibilidade para resgatar pessoas a bordo dos navio humanitários‘; Alan Kurdi, Open Arms, Ocean Viking, Lifeline, Aquarius, Diciotti, Sea Watch e a lista continua.

No entanto, o discurso e a aparente vontade política colidem com o que se conhece da realidade no terreno: centros de acolhimento em permanente sobrelotação; aumento exponencial de pedidos de asilo; escassez de recursos especializados e infraestruturas para acompanhar estes fluxos; centenas de requerentes de asilo alojados em hostels e unidades hoteleiras; e por fim uma resposta lenta, excessivamente processual dos organismos públicos na tramitação dos processos de regularização do estatuto dos refugiados e consequentes atrasos nos processos de autonomização.

É relevante lembrar que a maioria dos anúncios proferidos referem-se a refugiados ao abrigo dos acordos de recolocação e reinstalação da União Europeia, pois foi relativamente a estes que Portugal assumiu os seus compromissos internacionalmente. Mas há uma realidade crescente que é sistematicamente abafada pela comunicação social, e pelas instituições, realidade essa que se traduz nos fluxos de requerentes de asilo espontâneo que chegam ao nosso país e à Europa anualmente: a diferença entre ‘recolocados/reinstalados’ e ‘requerentes espontâneos’ reflete-se não só na celeridade com que obtêm o estatuto de refugiados mas também no modelo de acolhimento de que beneficiam. Se há mobilização e uma resposta de acolhimento estruturada e organizada para os primeiros, o mesmo não se pode dizer quanto aos segundos.

A propósito da polémica dos requerentes de asilo que se encontravam num hostel na freguesia de Arroios, Helena Matos escreveu um artigo onde alertou para a confusão instalada em torno dos múltiplos termos associados a esta questão: requerentes de proteção, de asilo, refugiados, migrantes, estrangeiros, colocando a questão: estamos a falar de quê e de quem?

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Admito que tal possa gerar alguma confusão junto da sociedade. Mas os vários representantes de organizações da sociedade civil, que lidam com questões de migrantes, foram claros em relação a esta questão: todas as pessoas que se encontram temporariamente alojados em hostels são ‘requerentes de asilo espontâneos’, que pediram proteção ao Estado Português, alguns dos quais aguardam uma decisão do SEF em relação ao seu processo, outros viram o seu o seu pedido ser indeferido e recorreram ao Tribunal Constitucional. Em suma, são pessoas que se encontram em Portugal enquanto aguardam a decisão em relação ao seu processo.

Ora, sabemos segundo os números que têm vindo a ser veiculados pela comunicação social, e tal como refere também André Costa Jorge, Coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) nesta entrevista, que nos últimos 5/6 anos, houve um aumento exponencial de requerentes de asilo em Portugal, ultrapassando neste momento os 1000 por ano. Se em 2014 falávamos de cerca de 442 por ano, em 2019 o Estado Português recebeu 1716 pedidos.  Sabemos também que a capacidade dos Centros de Acolhimento a cargo do Conselho Português de Refugiados responsáveis pelo acolhimento e acompanhamento destas pessoas é muito reduzida e incapaz de fazer face a esta realidade: não chega sequer a uma centena de vagas. Basta fazer as contas.

O tema dos ‘Refugiados em Hostels’ infetados com COVID, veio para a ribalta por causa da pandemia, mas o contexto COVID-19 veio apenas expor uma realidade que vai muito além da crise sanitária de sobrelotação de espaços, hostels e unidades hoteleiras.

O que esta situação nos veio mostrar é que para fazer face a esta realidade de requerentes de asilo as entidades responsáveis continuam a usar o modelo de 2014 quando a realidade é, hoje, drasticamente diferente. Mesmo que muitos destes requerentes vejam os seus pedidos ser indeferidos e estejam transitoriamente em Portugal, e a julgar pelos cerca de 800 requerentes que se encontram em hostels, imagino que deva haver sempre uma média de quase mil pessoas nestas condições a necessitar de uma resposta de acolhimento. Não é viável continuar a receber estes requerentes que aumentam a cada ano que passa recorrendo a soluções temporárias de alojamento em hostels, sem o devido acompanhamento técnico e social de proximidade.  No contexto de emergência Covid-19, recorreu-se a uma solução transitória de evacuamento dos refugiados do hostel de Arroios para a Base Aérea da Ota. Mas o que é necessário e urgente é criar uma resposta de acolhimento permanente de longo-prazo ajustada à dimensão do fenómeno que não dá sinais de abrandar nos próximos tempos – como já por diversas vezes alertou André Costa Jorge, Coordenador da PAR.

Após a polémica dos refugiados do hostel de arroios, pudemos assistir ao jogo de passa culpas, da autarquia para o Estado Central, designadamente o SEF e o MAI, do Estado Central para o Conselho Português de Refugiados e por aí em diante. A atribuição de responsabilidades varia também consoante as lealdades e inclinações politico-ideológicas. Mas, no final do dia, o que este caso parece revelar é uma total desarticulação entre todas as entidades responsáveis e uma profunda inércia em arranjar uma solução para um problema já há muito diagnosticado.

A realidade é que um mês depois, a polémica esmoreceu, foi cada um para a sua vida e continuamos todos na mesma. Onde é que param agora os tais 800 requerentes de asilo hospedados em hostels? O que se vai fazer daqui em diante para a resolução deste problema? Com ou sem pandemia, vamos continuar a acolher os cerca de mais mil requerentes de asilo espontâneos, por ano, em soluções provisórias de ‘unidades hoteleiras’? Ficamos sem saber até o próximo escândalo estalar.