#IstandwithUkraine” tornou-se, e bem, o hashtag da ordem do dia juntamente com a exibição das cores da bandeira ucraniana, o azul e o amarelo, e as manifestações em massa de solidariedade com o povo ucraniano. Mas por cada ‘#IstandwithUkraine’, devemos estar conscientes de que neste momento, quem luta por todos nós e em nosso nome é a Ucrânia, liderada pelo Presidente Zelensky, que está na linha da frente de um combate que extravasa em larga escala a fronteira Russo-Ucraniana e que nos diz respeito a todos, no conforto das nossas casas, no Ocidente.

Não se trata apenas da Ucrânia, como tem alertado, vezes sem conta, o corajoso presidente nos seus sucessivos apelos aos líderes europeus e ocidentais. Esta invasão é também uma declaração de guerra às democracias liberais. Putin tudo fará para impedir uma Ucrânia soberana, independente e democrática junto das suas fronteiras, que o líder Russo vê como ameaça direta ao seu regime. Como já tem sido amplamente discutido e analisado, Putin quer marcar a sua posição face ao Ocidente e manter a sua esfera de influência nos países vizinhos e fá-lo num contexto geopolítico mais vasto, marcado pela rivalidade das grandes potências, que opõe regimes autocratas e ditadores, por um lado, e democracias liberais ocidentais, por outro: onde se esgrimam ideias, valores, modos de vida, liberdades e modelos distintos de governança global.

Muito se tem falado sobre o declínio do Ocidente e a impotência da Europa em lidar com este mundo novo dominado pela rivalidade das grandes potências. Para este mundo, a ordem multilateral que nasceu das cinzas da WWII, o multilateralismo da unanimidade, não pode, nem consegue, dissuadir esta ameaça nem dar resposta à bipolarização que parece vir a definir o contexto geopolítico do século XXI. Talvez sejam necessárias novas formas de organização multilateral, novas alianças e uma nova arquitetura de segurança. Ou talvez um novo sentido de missão e um investimento redobrado nas instituições e formatos que já existem que unam países com os mesmos valores em torno de objetivos comuns. Este tem sido o grande objetivo da administração Biden, que elegeu a defesa das democracias e o combate aos regimes autoritários como o grande desafio ideológico e global dos nossos tempos, o sucessor da guerra fria e da guerra contra o fundamentalismo islâmico como principio inspirador da política externa norte-americana. Tem sido, de resto, a abordagem preferencial das sucessivas administrações americanas que, em diferentes momentos da história recente, não hesitam em avançar para formatos de coligações de países like-minded quando confrontados com a iminência do dia e para prosseguir os seus objetivos estratégicos, seja no Indo-Pacífico, na Europa ou no Médio Oriente.

É neste contexto que surgem também, com cada vez mais frequência, promessas de Bruxelas e de líderes europeus de afirmar a “Comissão Geopolítica” e de aprender a falar também a “linguagem do poder” e não apenas a da “paz” ou do “soft power” europeu. Muita tinta tem corrido sobre o sonho da autonomia estratégica da UE e o assumir de mais responsabilidades pela segurança europeia na vizinhança a leste. E apesar da coordenada e quase heroica demonstração de unidade europeia e transatlântica na resposta à invasão da Ucrânia, esta guerra veio reforçar a urgência e a necessidade de a UE se dotar de um verdadeiro exército europeu e de uma verdadeira autonomia estratégica, investindo mais na defesa e delegando mais poderes nesse domínio na UE. Só assim poderá a UE afirmar-se como ator global e credível, capaz de agir em tempo real e de intervir em crises. Mas para isso é preciso confrontar o “elefante na sala”, ou seja, equacionar uma maior integração europeia no domínio da política externa e de segurança e defesa, recorrendo, por exemplo, ao voto por maioria qualificada em determinadas áreas da política externa, como aliás já defendi aqui.

Esta é uma discussão complexa e com repercussões a múltiplos níveis, defendida por alguns e rejeitada por outros, para além de controversa junto de muitos Estados membros. Mas é uma discussão que merece maior atenção no espaço europeu e que, atendendo aos desenvolvimentos recentes, poderá vir a estar na ordem do dia daqui em diante. Poder-se-ia por exemplo ponderar o voto por maioria qualificada dentro de determinados limites e apenas em poucos domínios ou mesmo num registo ad-hoc, sem pôr em causa o princípio da unidade e coesão europeias e sem que os Estados membros abdiquem dos respetivos interesses nacionais. De resto uma ideia já defendida pela atual Presidente da Comissão Europeia, Úrsula Von der Leyen. Mas não tenhamos ilusões: a autonomia estratégica só se tornará uma realidade quando existir de facto uma cultura estratégica comum a 27, o que implica necessariamente que os Estados-membros estejam dispostos, não só a aumentar os gastos na defesa, como a abdicar de determinadas prerrogativas em prol do papel e ação da UE nos assuntos globais.

A Rússia não irá parar na Ucrânia tal como nada impedirá a China de continuar a exercer a sua influência económica e tecno-autoritária para além das suas fronteiras. As provocações russas a leste continuarão, tal como as ameaças híbridas, a guerra da desinformação e a interferência nos processos democráticos dos nossos países. Cabe aos Estados membros e a todos nós, cidadãos europeus, refletir sobre o papel que queremos que a UE desempenhe no mundo. A impotência de que muitos falam não é só dessa figura vaga a que chamamos “o Ocidente”. Também não é só da UE. É de todos nós, porque todos nós somos o Ocidente e todos nós somos a UE. E no final do dia, a UE mais não é do que a soma das suas partes.

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