Na semana passada, a ministra Marta Temido declarou que um dos critérios para futura contratação de médicos para o SNS seria a sua “resiliência”. A coisa, pela inevitável sugestão de que o actual pessoal do Serviço Nacional de Saúde não seria suficientemente “resiliente”, gerou indignação pública. Até o bastonário da Ordem dos Médicos, o sempre urbano Miguel Guimarães, levantou a possibilidade de uma demissão da ministra, que depois, emocionada, veio pedir desculpa pelas suas palavras, que teriam sido mal interpretadas, tese partilhada de modo vibrante por Sónia Fertuzinhos, ornamento maior da bancada do PS na Assembleia da República. Mas as desculpas e a defesa veemente da ministra não chegam para esconder o facto gritante do seu desprezo esquerdista pelas reivindicações de boas condições de trabalho por médicos e enfermeiros (a glória de servir o Estado é para Marta Temido recompensa bastante) nem a evidência de ela se encontrar na triste situação de presidir ao processo de destruição do SNS.
Neste contexto, parecerá estranho que se venha manifestar alguma compreensão pela ministra. É, no entanto, isso que me proponho hoje fazer. Não nego a intencionalidade perversa no uso da palavra “resiliência”. Mas há condições atenuantes. Uma delas, talvez a maior, é de ordem muito geral e prende-se com o modo como as pessoas se relacionam com a linguagem. Supor-se-ia que a linguagem, entre as suas várias dimensões, comportasse a função de designar eficazmente os múltiplos aspectos da realidade exterior, ajudando-nos a identificá-los da forma menos equívoca possível. Ora, se é verdade que, no campo das ciências, tal se obtém com razoável sucesso, as coisas mudam radicalmente de aspecto no domínio da política, onde tudo é, na sua essência, muito mais ambíguo, por razões que não são conjunturais, mas estruturais. E este particular problema da linguagem política – que é a linguagem que, nas suas múltiplas variantes, falamos no dia-a-dia – ganha proporções inéditas em situações de crise da vida social, quando, por exemplo, ao poder convém criar uma realidade alternativa que distraia as pessoas dos problemas concretos que afectam a sociedade.
Multiplicam-se então, com extraordinária profusão, expressões que se utilizam como se se referissem a ideias claras e bem definidas, quando, com muita boa vontade, designam apenas arremedos de conceitos sem unidade efectiva e insusceptíveis de determinar o que quer que seja. A utilização dessas expressões não supõe qualquer actividade do espírito, apenas uma passiva receptividade às palavras que circulam no ar do tempo e uma declarada vocação para as papaguear com apaixonado entusiasmo, como quem assobia no escuro para afastar de si o legítimo e justificado medo da ausência de pensamento.
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