O fim-de-semana passado vimos a esquerda portuguesa a mover-se e a fazer prova de vida. Num contexto de maioria absoluta, especialmente com grupos parlamentares em declínio e não especialmente capacitados para a função tribunícia, BE e PCP viram-se, agora, para outros reportórios de acção política para conseguirem marcar terreno e começarem a distinguir a sua marca política, enterrando, de vez, os sonhos de Geringonças passadas. Com a sua erosão política e parlamentar, para BE e PCP resistir é vencer. Mitigar as perdas já será um bom resultado no futuro.
De formas diferentes, os dois principais partidos de esquerda mostraram quais serão os temas a privilegiar e como querem recalibrar a sua marca no mercado das ideias e da competição eleitoral. Em minha opinião, de resto, não é uma coincidência que a conferência nacional do PCP que entronizou Paulo Raimundo tenha ocorrido simultaneamente com as ocupações das escolas devido à greve climática. Todos os manuais de agit-prop ensinam a necessidade da forte marcação entre os partidos de extrema-esquerda.
Depois do susto que apanhou com o aparecimento e fortalecimento do PAN, que parecia começar a tornar-se o dono dos temas ambientalistas em Portugal, o Bloco de Esquerda está a investir fortemente na penetração em movimentos inorgânicos alimentados por jovens que lutam pelas questões climáticas. Nas manifestações do fim-de-semana tornou-se evidente que pouco ou nada tinham de espontâneo e que foram, no fundamental, alimentadas e organizadas por activistas ligados ao Bloco de Esquerda. Quantas vezes já ouvimos a necessidade de “deixar passar porque o mundo eu vou mudar?”. Note-se que a ligação do BE aos movimentos ecologistas não é necessariamente perniciosa. Na verdade, pode até ser positiva, na medida em que, eventualmente, será através de processos políticos e de negociações institucionais que as dificuldades ambientais que afligem o mundo poderão ser resolvidos.
Todavia, o mais preocupante nesta infiltração do BE nestes movimentos juvenis de defesa das lutas climática é um enviesamento do debate, misturando a velha luta de classes revolucionária com o ambientalismo. Se é certo que ambientalismo sem luta de classes é jardinagem, como dizia o brasileiro Chico Mendes, um dos heróis da elite parlamentar do BE, a criação de uma narrativa associando o capitalismo à crise climática não resiste à prova dos factos. A parafernália exibida pelos jovens nas manifestações – exigindo “Enterrar o capitalismo com combustíveis fósseis” — mostrou uma de duas coisas: uma ignorância tremenda ou uma mera cooptação por parte de partidos de extrema-esquerda que utilizam as causas ambientais para atingirem os seus velhos e esgotados objectivos políticos travestidos de preocupação com o futuro do planeta. Quero acreditar que é a segunda. De resto, o elenco de reivindicações não tem qualquer sentido: desde exigir a demissão de Costa e Silva, o fim do assédio sexual em Letras e o fim da obrigatoriedade dos exames nacionais no secundário. Se tudo fosse assim tão simples, rapidamente acabaríamos com o apocalipse que nos espera, ainda segundo os mesmos activistas, já em 2030.
A comparação entre a poluição no capitalismo e nos regimes não-capitalistas é clara. Ignorando os crimes ambientais da União Soviética, uma comparação entre China e Estados Unidos é bem demonstrativa. Senão vejamos. Em 2019, último ano antes da pandemia, a China, com o seu modelo económico assente num regime de partido único comunista, emitiu 0.5kg de CO2 por cada dólar de PIB. Os Estados Unidos, pelo seu lado, emitiram apenas 0.2kg de CO2 por cada dólar do PIB. Esta comparação torna visível, no fundo, a eficiência de cada modelo económico e como a necessidade de cumprir regras sociais e ambientais acaba por ser mais eficaz numa sociedade capitalista.
Em última análise, a profunda crise ambiental que vivemos será mitigada pelas forças que o capitalismo e a democracia sabem utilizar melhor: a liberdade de pensamento e a imaginação, o financiamento da ciência e a capacidade de resolver problemas à medida que vão surgindo. Se podemos ter alguma esperança no futuro climático da humanidade, esta estará na Caltech, no MIT, no Imperial College, na ETH, onde as melhores mentes do mundo pensam em soluções que, com o mínimo de disrupção social, política e económica, permitir-nos-ão ter um futuro sustentável. Os mecanismos de mercado permitirão penalizar e premiar as melhores práticas e exigir às empresas que se adaptem às necessidades climáticas. Haverá um futuro para a humanidade que, felizmente, não passa por modelos bacocos e falhados. Não queiramos fingir que a utilização oportunista das preocupações legítimas dos jovens com o clima é algo bonito de se ver. Cada um, no entanto, agarra-se ao que pode. Para estalinistas e trotskistas, em 2022, resistir é vencer.