Na noite de 27 de Novembro de 2021, Rui Rio venceu as terceiras diretas consecutivas. Pessoalmente, nas três, apoiei, publicamente, os seus sucessivos adversários: Pedro Santana Lopes, Luís Montenegro e Paulo Rangel. O que se verificou neste conjunto de diretas é que Rui Rio ganhou sempre e que o partido ficou dividido ao meio – os adversários de Rio tiveram todos votações expressivas.
No caso destas últimas diretas, as lideranças distritais do PSD e a JSD, de uma forma maioritária, estiveram com Paulo Rangel. Mas o “povo” do PSD quis que fosse Rui Rio a suceder a si próprio.
É assim claro quem é o candidato a primeiro-ministro do lado do PSD.
Algumas reflexões podem ser pertinentes, relativas ao partido e relativas ao país.
Sobre o partido: tal como o PS, o PSD, como partido de poder, é constituído por uma amálgama de ideais e de interesses. Mais ou menos nacionais, regionais ou locais. Quando há eleições, organizam-se os sindicatos de votos, trocam-se favores, prometem-se lugares, fazem-se cedências, etc. Esta regra vale para qualquer partido de poder e nestes partidos para qualquer candidato a uma liderança. Não é diferente em qualquer outro país democrático. Raramente surgem lideranças tão fortes e carismáticas que podem prescindir destes jogos.
O que importa agora verificar, relativamente à situação do PSD, é o seguinte: Rui Rio vai continuar a hostilizar metade do partido? Se assim for, muito se perderá.
Claro que haverá aqueles, face à evidência, que rapidamente irão ao beija mão do chefe confirmado. Outros, querendo manter a dignidade ferida, ficarão à espera de sinais. E são esses sinais que importa não alienar. Numa vitória, aspeto importante é saber proteger a dignidade dos derrotados. Os derrotados que sentem não ter sido bem tratados por quem vence, guardam a memória da atitude e dificilmente são cooperantes ou esquecem. O PSD, é um partido que demonstra ao longo da sua história interna, ser um partido de fações, e de difícil agregação de grupos. Precisa agora de conseguir ultrapassar as feridas internas para se concentrar nas próximas eleições legislativas. Paulo Rangel, no seu discurso da noite eleitoral, com dignidade e sentido de Estado, deu o mote, deixando claro que agora o partido se deve unir em torno do vencedor e que o adversário é António Costa e o PS. Mas não basta. Rui Rio precisa de estender a mão, de forma sincera e aberta, a todos os que saíram derrotados nestas eleições internas, para contar com um esforço conjugado e focado nas eleições de 30 de Janeiro de 2022.
Falemos agora do País: Portugal vive uma situação de grande dificuldade. A União Europeia tem alertado para a preocupação a que corresponde o elevado nível de endividamento externo, a dívida pública e das famílias. O alerta estende-se a uma potencial bolha imobiliária, assim como aos baixos níveis de produtividade e à capacidade de aplicação dos fundos do PRR. A tudo isto acresce a crise provocada pela pandemia, com todas as consequências atuais e futuras.
Como estratégia política nacional, Rui Rio escolheu, mais que um exercício de oposição ao PS e ao Governo, uma ideia de aproximação aos mesmos. Considerando que o PSD estava muito à direita, procurou uma agenda dita mais ao centro, dizendo que queria trazer também o PS para o centro. Ao mesmo tempo, aprovou o acordo nos Açores entre o PSD e o Chega, para a governação do arquipélago, apesar de agora dizer que essa situação não se colocará para o governo nacional. No período dos seus mandatos, o PS reforçou a sua votação, os partidos à sua esquerda fragilizaram-se, à sua direita o CDS quase desapareceu, afirmou-se um partido de centro direita, a Iniciativa Liberal e um partido de Extrema Direita, o Chega. Pela primeira vez depois do 25 de Abril de 1974, a Extrema Direita chegou ao Parlamento e, nas últimas autárquicas, demonstrou a sua capacidade de afirmação a nível local.
E qual será a estratégia do PSD nos próximos dois meses?
É muito importante que, a nível nacional, Rui Rio se afirme como candidato efetivo a primeiro ministro. Que o PSD seja efetiva alternativa ao PS – é assim que as democracias funcionam. Se a mensagem do PSD não for clara enquanto alternativa, é provável que o Chega e o IL engordem a sua votação e que o PSD tenha a mesma ou um pouco menos que nas últimas legislativas. E o cenário não afastado de Bloco Central pode atirar o PSD para a situação de partido secundário, pulverizado por um líder político hábil como António Costa. Depois de um futuro governo de Bloco Central, o PSD pode passar a ser uma partido que luta por estar entre os 15% e os 20% dos votos, perdendo a sua capacidade de partido de alternância governativa.
É evidente o que António Costa conseguiu à sua Esquerda com o período da Geringonça. A quebra de votação do PCP e do BE demonstram o resultado do seu abraço de urso. Não é impossível que essa proeza se repita na sequência de um governo de Bloco Central.
Mas mais do que as aritméticas partidárias importam a governabilidade e o interesse nacional. Todavia, que interesse nacional será este, de aliança a um PS que, em seis anos de Governo, não cumpriu uma única reforma política sistémica, e que como performance económica atira Portugal para a cauda dos países da União Europeia? Um PS que viu a dívida pública crescer ainda mais e as condições de desenvolvimento da iniciativa privada a diminuir? Um governo que não melhorou a situação da Justiça (celeridade dos processos) e que tem um SNS em crise? Que tem um Ministério da Educação que gera alarme social sobre as questões de identidade de género e um Ministério da Cultura incapaz de responder às necessidades da sua área de atuação? O rosário de queixas podia continuar. Sim, claro, há coisas positivas que aconteceram. Mas não é para esse lado que pende a balança – e o COVID não explica tudo.
Ao contrário do que se verifica em outros países, em que as Oposições criticaram as políticas governamentais face à pandemia, o PSD decidiu não adoptar esse registo. Em geral, parece prudente essa atitude. Todavia, isso não devia impedir o partido que se propõe ser alternativa de Governo de apresentar as suas propostas, neste e noutros domínios da governação.
Agora, o tempo é muito curto entre a data de hoje e a data das eleições. Uma crise sanitária pode levar os Portugueses a um voto conservador – deixar ficar quem lá está, pelo menos com estes, bem ou mal, sabemos com o que contamos. Mas só o dia das eleições nos dará certezas sobre o que pensam os votantes relativamente ao quadro político-partidário.
Entre António Costa e Rui Rio, não tenho dúvidas que prefiro Rui Rio. Não para vice-primeiro ministro, mas para primeiro-ministro. Não o apoiei em nenhum momento da vida interna do PSD. Mas, agora que há eleições nacionais, é nele que coloco a expectativa de uma mudança de rumo na governação, que nos traga mais criação de riqueza, para melhor redistribuição e equilíbrio das nossas contas públicas e melhoria da vida das famílias. Agora é tempo de conjugação de esforços. Mas tal só será possível se se enterrarem machados de guerra, de parte a parte, face a um interesse maior. Portugal merece.