Foi eleita a palavra do ano pela Porto Editora. E bem! O vocábulo “saudade” é, provavelmente, aquele que mais facilmente emerge, entre outros, do pantanal da pandemia que aqui se instalou há cerca de dez meses. Uma escolha que procura demonstrar o lado mais afectivo e fofinho do Homem, num plano contraditório daquele que o vírus procurou montar, de armas, bagagens e outras coisas. No entanto, importa ressalvar que o termo “saudade”, só por si, não salva este cenário de penumbra, onde o luzidio total urge em figurar. À falta de convívio social, à falta de tainadas com os “manos” da praxe – e dos excessos mais ou menos controlados (?!) daí resultantes -, à falta de ir à bola e usar um calão na maioria das vezes de forma leviana, etc., juntemos a gigante “saudade” de ver a malta com cancro ser tratada atempadamente, sem adiamentos que poderão comprometer a sua saúde. Aliás, a sua sobrevivência. Os alertas têm sido uma constante, mas o ênfase que dão a este assunto é tão rasteiro e obsceno como o clima vivido na régie de uma televisão momentos antes de acolherem dois candidatos de tendências políticas altamente antagónicas e capazes, até, de cuspirem fogo.

Depois, há a saudade de ver os nossos miúdos terem aulas normais, restringidos, já por si – e há largos anos -, a um ensino falido. Falido em termos morais e educacionais, baseado numa aprendizagem narrativa e de uma imposição da memorização gratuita, ao invés da estimulação do espírito e iniciativa críticos. Aquilo da telescola – utilizada de forma mais vigorosa entre Março e Junho de 2020 – pouco ou nada ensina. Além de falhas sistemáticas, problemas inevitáveis a nível de som, atropelos forçosos na hora de dúvidas surgirem, desatenções constantes e normalíssimas, e todo um panorama grotesco e contranatural que, receio, trará problemas chatos de serem contornados num futuro relativamente próximo. Solução? Testes à Covid. Seria legítimo, coerente e, oh, pá, adulto. Evitar-se-ia – pelo menos em grande escala – esse tal ensino levado a cabo através de um ecrã panorâmico, que, a meio da aula, provocará, decerto, uma fuga até ao Instagram para ver o que é que a malta anda a fazer por aí. É normal que tal aconteça. São eles que, principalmente, sentem saudades dos amigos, das esplanadas e de um fino aqui e outro acolá. Também o pessoal do Ensino Superior – um momento único e singular na vida de cada um deles – se vê mergulhado na saudade de ver estes tempos serem camuflados por uma pseudo-vivência que não é compatível para quem tem o direito de viver esta etapa na sua plenitude. Talvez as tais vacinas possam permitir salvar alguma coisa, alguma magia das entranhas da capa e batina. Talvez, não sei.

Fora isso, as saudades de ver currículos forjados e deturpados – a fim da pessoa que o possui (possui?!) se candidatar na boa, sem stresses de maior, a altos cargos de competência e dirigismo, num sentido lato – quer aqui dentro, quer além-fronteiras -, também eram enormes, até à semana passada. É provável que seja neste tipo de cenário folclórico – com uma boa pitada do romantismo de Bocage – em que a palavra “saudade” fará mais sentido e dará uma pujança acrescida a este nossos doces e insubstituíveis momentos. Upa, upa!

(Bem-vindo 2021! Bem-vindo!)

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