Os dados não mentem: 85% das doenças cérebro-cardiovasculares são evitáveis. Estamos a falar do Acidente Vascular Cerebral (AVC) e doenças cardiovasculares, mais conhecidas como doenças do coração como os enfartes do miocárdio ou “ataques do coração”.

Deixar chegar a um ponto em que é irreversível parece ser por ignorância, falta de autorregulação ou de intervenções não adequadas ao perfil das pessoas nas várias faixas de idade. A linguagem da saúde é complexa, geralmente hermética e guardada para a compreensão dos profissionais que sempre estudaram os termos técnicos e estão submersos nessa linguagem do “jargão”, e que poucos entendem que é preciso simplificar para que o seu utente/doente entenda e aja em conformidade. Pela saúde da população é preciso modificar esta interação.

Os profissionais de saúde saltam para o patamar dos heróis da mudança de comportamento em saúde quando se fizerem entender mais facilmente e contribuírem efetivamente para uma melhor adesão terapêutica [cumprimento da medicação que é prescrita], mais contínua e profícua para quem a tem de fazer: os seus utentes/doentes. Mas, temos de ir um pouco à origem, onde a vontade se forma. Onde a personalidade e os hábitos e comportamentos são estabelecidos: a partir do momento em que gatinhamos.

Modelar é copiar. Copiamos o que nos parece interessante quando somos mais velhos. Mas copiamos tudo o que os outros fazem quando somos muito jovens. O preço e o investimento de desenvolver programas de promoção de saúde, de prevenção de doenças cérebro e cardiovasculares começa na primeira infância. Para as crianças e para as competências parentais parece ser o caminho mais fácil. E é.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Não temos o prazo de uma legislatura para ver resultados, mas teremos certamente gerações futuras mais saudáveis se investirmos mais em literacia em saúde [competências que permitem um caminho através da educação e comunicação em saúde, promotoras da mudança de comportamentos] e em mais valências nas crianças, nos jardins de infância, nos educadores e nos pais e cuidadores.

Existem exemplos que podem ser colocados na prática, como plantar legumes frescos nos vasinhos da escola e depois consumi-los, ter atividade física todos os dias, saber gerir as emoções e o bem-estar desde as idades mais jovens, saber conviver de forma ética em sociedade.  Estes são os caminhos para a prevenção de doenças.

É preciso diminuir os números atuais em que, em cada em 100 pessoas, 85 poderiam não ter doença ou vir a desenvolvê-la devido ao seu comportamento (fatores modificáveis da doença) para um valor menor, por exemplo, haver apenas cinco pessoas em cada 100. É difícil chegar ao número “0” de controlo dos fatores modificáveis, mas é possível reduzir substancialmente se as estratégias forem efetivas, sobretudo a partir da primeira infância, onde a modelação é muito mais fácil.

Para a Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde e, para mim, como especialista em literacia em saúde, as respostas a um problema de saúde, como é o das doenças cérebro-cardiovasculares, têm de ser vistas de forma abrangente, estruturante e com parcerias de vários setores (saúde, social, educação, cultura, política), de várias disciplinas e para além dos fatores biomédicos. Devem, por isso, ancorar-se na ciência do comportamento, onde a literacia em saúde é o vaso comunicante e está presente em todos os momentos e passos a dar.

Para poder caminhar para uma resolução há fatores que devem ser tidos em consideração. As pessoas vivem em determinados contextos, relacionam-se com muitos intervenientes, sentem os efeitos dos fatores sociais, económicos, políticos e culturais. Numa região onde abunde o consumo de produtos com alto teor de gordura e sal, as gerações seguintes provavelmente consumirão mais gordura e sal.

Numa comunidade onde as condições socioeconómicas sejam frágeis, o consumo de produtos mais baratos, com mais sal e gordura, como são as refeições de consumo rápido e pré elaboradas tendem a fazer parte do menu quase diário.

As respostas sociais, de saúde e de educação devem estar mais interdependentes e agregadas , para com interdisciplinaridade poderem olhar de uma forma transversal para o problema e cada parte trazer a solução. Há por isso necessidade de criar e fomentar mais equipas multiprofissionais que olhem para os determinantes da saúde de forma mais clara e interventiva.

Onde estão os parques localizados para que se incentive a um passeio no parque e se estabeleça uma maior conexão social? Sabemos que a conexão social é um fator promotor de bem-estar de atividade em conjunto e de efeitos sobre a saúde física, emocional e social. Para isso deve haver a “oportunidade”, o estímulo ou motivação e as competências que as pessoas precisam para saber o que devem fazer.

A intervenção dos media é uma oportunidade de boa comunicação, que deve ser aproveitada para criar estas estradas de informação que combatem a propagação de desinformação.

Se o comportamento move as pessoas para as adições, para a gratificação imediata, e depois para a doença, também as pode mover para a saúde. O que é preciso? Mais competências, mais conhecimento, capacidades e motivação para as atitudes e conhecer-se bem o contexto em que aquela ou aquelas pessoas se movem e onde não podem faltar intervenções que têm que ver com a atividade física, alimentação e o bem-estar mental.

Prevenir significa alertar para os fatores de risco, a gestão, o tratamento e apostar no autocuidado. Para tudo é preciso autorregulação. Temos de investir mais nos bons hábitos no início da vida, com as competências parentais, com os cuidadores, educadores e com as crianças e jovens. Não é para amanhã a mudança, mas fazendo bem, agilizando e intervindo eficazmente junto às pessoas numa política pública que olhe para o ciclo de vida será possível vermos mudanças positivas. Isto é literacia em saúde.

Por isso, a Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde tem participado em inúmeras intervenções e está disponível para o trabalho de campo baseado na ciência. Com construção positiva de comportamentos, sobretudo em grupo, com a abertura das autoestradas da literacia em saúde.

Cristina Vaz de Almeida, doutorada em Ciências da Comunicação – Literacia em Saúde, é diretora da Pós-Graduação em Literacia em Saúde no ISPA, autora e coordenadora de livros, autora e coordenadora de capítulos e artigos de literacia em saúde e comunicação em saúde e presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

Uma parceria com:

Novartis

Com a colaboração de:

Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca Fundação Portuguesa de Cardiologia PT.AVC - União de Sobreviventes, Familiares e Amigos Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral Sociedade Portuguesa de Aterosclerose Sociedade Portuguesa de Cardiologia