A duas voltas, um sistema eleitoral obriga os eleitores a escolher entre dois candidatos que a maioria preferia não ver ocupar determinado cargo. Poderá defender-se que essa até é a solução mais democrática, confrontando o eleitorado com a impossibilidade de decidir sem sacrifício, obrigando à conciliação com o mal menor (para quem escolher o lado vencedor) e à legitimação suplementar de quem quer que vença, porque o fará sempre com maioria.
Aos eleitores, porém, o sistema presta um mau serviço. Ser forçado a tomar várias escolhas desagradáveis implica acabar com uma sensação de desconforto: ou se contribuiu para eleger um candidato de quem nunca se gostou, ficando automaticamente responsável pelas consequências do seu mandato, ou se tomou partido por alguém que nem sequer venceu, despindo toda a utilidade do sacrifício. Um exemplo prático e vivo das desvantagens deste sistema é França, que sucessivamente elegeu, sem reeleger, candidatos minoritários feitos maioritários como Hollande, Sarkozy, Giscard d’Estaing ou Pompidou.
Em 54 anos, o sistema francês a duas voltas originou apenas a reeleição do General de Gaulle, de Mitterrand e de Chirac. Também numa perspetiva otimista, pode ver-se essa tendência como a promoção da alternância democrática na chefia do Estado. Alternativamente, com algum pessimismo, um sistema eleitoral que tem imensa dificuldade em repetir resultados após cinco (ou sete) anos poderá estar a promover sobretudo arrependimentos profundos em relação às escolhas que oferece.
Numa altura em que quase todas as opiniões são mais públicas do que íntimas, torna-se extremamente custoso ser visto a mudá-las ou a ceder ao outro lado que durante tanto tempo se combateu. Numa época de concórdia, mesmo fora da política, o mal menor é um instrumento poderoso para reunir céticos e relutantes. Quando há “fragmentação”, o mal menor mantém as vantagens aparentes, mas perde o seu encanto para quem arca com o sacríficio.
Ninguém terá sido beneficiado com as vantagens e desvantagens do sistema como Emmanuel Macron, personificação do mal menor. Com considerável probabilidade de se juntar à lista de notáveis da V República que renovaram o seu mandato, o trajeto eleitoral de Macron melhora quando se revela o mal menor capaz de escalar nas sondagens perante os casos criminais do centro-direita e a aparentemente absoluta inabilidade do PS francês para escolher candidatos plausíveis.
Na segunda volta de 2017, Macron tinha uma narrativa, era o último suspiro da esquerda que admira a Europa e simultaneamente rejeita o velho sindicalismo e as moderníssimas ciclovias da inclusão. Usou as suas virtudes de carisma para tentar tornar apelativa a proposta da esquerda que vence eleições em França – com Hollande em 2012, mas também, em mais do que um sentido, com Mitterrand antes dele. Não foi suficiente. Para funcionar, a narrativa dependia de Le Pen, filha do pai que os franceses tinham já derrotado numa segunda volta em que o mal menor foi Jacques Chirac.
A segunda parte da narrativa acabou por dominar. Mais do que percebido como aquilo que era, Macron passou a ser o contrário de Le Pen, o ocupante do “extremo-centro”, suficientemente apelativo para a esquerda que o quis ver como progressista e a direita que o quis ver como liberal ou patriota. Para estes, foi um equívoco que trouxe Pécresse, derrotada por Zemmour e Le Pen. O mal menor foi um truque permitido pelo sistema eleitoral, mas não é uma identidade. Essa descobre-se no eleitorado, nos funcionários políticos da presidência e não engana: está lá o velho PS, enfraquecido pelo desaparecimento de Strauss-Kahn, nunca iludido com Hidalgo. É provável que no domingo Macron avance para o seu segundo mandato, mas ainda não é claro se os franceses ficaram desencantados pelo truque ou pela identidade.