Aos histéricos do politicamente correcto, que na sua grande maioria se limitam a ler as parangonas e a debitar slogans que eles próprios não compreendem e, portanto, de que não adivinham as suas dramáticas consequências, devo descansá-los/las/les, pois aqui não pretendo tratar dos temas com que gastam os vossos dias. Em todo o caso, convido-vos a ler qualquer coisa fora do (vosso) normal.

Hoje, dia em que escrevo, é Dia de Todos os Santos, o 1.º de Novembro. Há precisamente 590 anos – efeméride que certamente teria merecido um telefonema comemorativo do meu Avô António – morria São Nuno de Santa Maria, o célebre Nun’Álvares Pereira, prenúncio admirável de quem há muitos séculos foi canonizado pela devoção popular como o Santo Condestável de Portugal. Festejá-lo-emos já no próximo dia 6, e na 1.ª Leitura da Missa escutaremos a seguinte perícope tirada do Livro de Ben-Sirá:

Celebremos os louvores dos homens ilustres, dos nossos antepassados através das gerações. O Senhor realizou neles a sua glória, a sua grandeza desde os tempos mais antigos. Eram poderosos nos seus reinos, homens de fama pelos seus feitos grandiosos e bons conselheiros pela sua inteligência. Eram guias do povo pelos seus conselhos, pela sua inteligência na instrução do povo e pelas sábias palavras no seu ensino. Homens ricos e poderosos, viviam em paz em suas casas. Todos eles alcançaram fama entre os seus contemporâneos e glorificados já em seus dias. Foram homens virtuosos e as suas obras não foram esquecidas. A sua descendência permanece para sempre e jamais se apagará a sua memória. Os seus corpos repousam em paz e o seu nome vive através das gerações.

Estou grato ao Senhor Patriarca de Lisboa por ter sabiamente encardinado a Ordem do Santo Sepulcro de Jerusalém à Igreja onde se encontra o túmulo deste homem egrégio, ali mantendo já há alguns anos como Prior um varão exemplar.

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Em representação dessa Ordem milenar, tive o privilégio imerecido de fazer a Guarda de Honra nas exéquias daquele que terá sido o mais admirável homem de política do pós-25 de Abril: o Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, de quem dentro de 10 dias se comemorará o 1.º ano do seu dies natalis.

Junto ao seu ataúde, por uns momentos fui distraído da minha oração pela presença de quatro figuras – aliás, verdadeiros figurantes  – que se postaram na 1.ª fila, à distância regulamentar uns dos outros.

O menos graduado deles, na altura ainda Presidente da Câmara de Lisboa, transpirava por todos os poros – também literalmente – o seu manifesto desconforto por se ver obrigado a assistir àquela magnífica cerimónia religiosa onde se encontrava visivelmente deslocado.

Seguia-se-lhe o que ainda se julgava como o mais inexpugnável e bem-sucedido Primeiro-Ministro de Portugal, eventualmente com as galochas anti-covid com que galhardamente se passeou por Bruxelas para vergonha nacional. Mas só lhe reparei o néscio sorriso optimista de sempre, que manteve mesmo quando cumprimentou a família enlutada com um desadequado toque de punho fechado, como as normas de saúde definiram como forma educada de saudação desde Março de 2020.

A 2.ª figura do Estado, a destoar na beleza indizível dos Jerónimos, estava felizmente mascarado.

O nosso Presidente, de 20 em 20 minutos, ia religiosamente besuntando as mãos com alcoól-gel em obediência cega aos ditames da papisa da DGS.

Precisávamos tanto de heróis e Santos neste tempo… mas como, se depois de se ter decretado a morte de Deus no nosso mundo, foi determinada também a morte da alma, restando-nos apenas um corpo que apenas se diz que nos pertence para que nele possamos matar a vida nova que germina?

O desalento abrumador que me envolveu quando me apercebi, estupefacto, estar perante os 3 mais altos magistrados da Nação e um seu (ex)delfim, teve doce consolação quando providencialmente a cerimónia abre, não com uma adaptação salmodiada dos Beatles, mas com o Requiem de Fauré, que acompanhou cada passo da Missa até final.

Vacinado, pois, contra qualquer esperança do que daquelas higienizadas eminências pardacentas pudesse vir, tem sido sem qualquer desilusão que vou assistindo nos últimos tempos ao ininterrupto crescendo de cenas indignas de alguém que é chamado a reger os destinos dum povo, por mais misterioso que resulte ter surgido tal vocação em quem não tem qualquer idoneidade para o cargo, como se veio definitiva e finalmente a comprovar.

Espanta-me ainda, contudo, que as zurrapas dos discursos vazios de qualquer bravura, sentido ou sentimento sincero de Marcelo Rebelo de Sousa, mereçam os aplausos generalizados de grande parte dos comentaristas avençados de todos os quadrantes (excepto, claro, do PCP, que não tem ouvidos para mais cantigas para além da Internacional).

No final de tão ocos discursos, possidoníssimas marmeladas sentimentais, surge-me sempre a retórica pergunta, com evidente resposta: será que este homem não comprende que ninguém daria a vida por aquilo que diz defender com tanto enfado e fastio?

A cena caricata da sua ida ao multibanco no dia em que o País entra num turbilhão e se vê homologada a catástrofe política que é a nossa Assembleia da República, é sinal bem evidente que o nosso Chefe de Estado não tem qualquer noção da missão que lhe foi confiada por um número muito significativo de portugueses (e possivelmente de portuguesas, como não esqueceria de mencionar estupidamente o bom do António Guterres. Que lhe tenham entregue as chaves da Terra, dispensa mais comentários sobre os amos deste mundo. Tudo farinha do mesmo saco).

E se o desastre económico-financeiro é mais do que iminente – sobretudo se continuarmos a ser dirigidos ao sabor do que a tecnocracia europeia vai ditando, sendo ela própria lacaia da plutocracia mundial, como desta é hoje a esquerda caviar (ou esquerda caniche como lhe chama o meu dilecto Juan Manuel de Prada) como sempre o foi a dita direita fofinha, uns e outros generosos a gastar o que não temos naquilo que não precisamos, a falar do que não sabem e a regular a vida dos outros, quando a sua é normalemnte um autêntico caos –, resulta absolutamente dramático que se tenha agendado a votação da Lei da Eutanásia como último acto da legislatura. Dramático mas não inesperado, pois que essa vergonhosa façanha de asquerosa cobardia é apenas o acorde final já muito desafinado de um arranjo parlamentar que nasceu torpe, cresceu torto e morrerá desalmado.

Seja qual for o resultado dessa votação, o terrível acontecimento do dia 4 que se avizinha deverá servir de pedra-de-toque para a posição a tomar, por qualquer português com o mínimo de bom-senso e boa-vontade, em relação aos vários partidos políticos (e seus cabeças-de-cartaz) que se apresentem às próximas eleições. E para que pensemos seriamente na sua subsistência.

Deixo-vos, para tanto, as constatações certeiras da extraordinária Simone Weil, aconselhando a leitura dum seu luminoso texto (Nota sobre a supressão geral dos partidos políticos, dando os meus parabéns à Antígona pela sua publicação) que me veio explicar a razão pela qual sempre me repugnou e recusei a vida política partidária:

Para avaliar os partidos políticos segundo o critério da verdade, da justiça, do bem público, é preciso começar por distinguir os seus caracteres essenciais. Podemos começar por enumerar três deles:

Um partido político é uma máquina de fabricar a paixão colectiva.

Um partido político é uma organização construída de maneira a exercer uma pressão colectiva no pensamento de cada um dos seres humanos que dele fazem parte.

A finalidade principal, e, em última análise, a única finalidade de qualquer partido político, é o seu próprio crescimento, e isto sem nenhum limite.

Devido a este triplo carácter, todo o partido político é totalitário quer na sua génese, quer nas suas aspirações. (…)

Não se pode servir Deus e Mamon. Quando se tem um critério do bem diferente do bem, perde-se a noção do bem.

A partir do momento em que o crescimento do partido constitui um critério do bem, segue-se inevitavelmente uma pressão colectiva do partido sobre o pensamento dos homens. Esta pressão vê-se de facto exercida. Espalha-se publicamente. É confessada, proclamada. Isso causar-nos-ia horror se a habituação não nos tivesse endurecido tanto.

Os partidos são organismos pública e oficialmente constituídos de maneira a matar nas almas o sentido da verdade e da justiça.

A eutanásia, por mais que a envolvam em algodão-doce, não é mais, nem menos, do que o prémio mais amargo que se pode oferecer às gerações mais velhas e àqueles que mais sofrem, significando pura e simplesmente que nada valem, que nada mais merecem, que não há outra saída do que a morte. Uma demonstração de terrível deslealdade ante quem nos deu a vida.

A eutanásia, como o aborto, ensinará às gerações futuras que a vida dos seus filhos e dos seus pais e avós pode ser apagada se causar incómodo.

A eutanásia, como o aborto, não mata apenas pessoas. Mata o amor que é vital existir para que uma comunidade subsista.

Tudo isso se fará com o beneplácito da Lei, aprovada por uma maioria de degenerados, caucionada por um colectivo de juízes que lêem a Constituição consoante sopra o vento, e homologada por um Presidente da República que provará, se tal acontecer, que nunca deveria ter ousado assumir uma missão para a qual não tem a coragem mínima e as virtudes exigidas. De tal terá de vir a prestar contas, e não será apenas ao seu eleitorado. Não ceda, pois, professor Marcelo, ao pai da mentira, aquele que leva os homens a chamar mal ao bem e bom ao mau, a transformar a luz em trevas e a fazer das trevas luz (amaldiçoados já por Isaías 5, 20-22), ousando reconfigurar a realidade mesmo contra a evidência dos factos, destruindo o que melhor há no homem e o torna a mais bela das criaturas: a capacidade do amor ao próximo, mesmo que o incomode, mesmo que seja seu inimigo.

Poderá finalmente dormir mais tranquilo. Caso contrário, resta-nos pedir:

Perdoai-lhes Senhor, porque não sabem o que fazem!