Ando para escrever sobre isto (nos blogues) há anos. A primeira vez que tive esta vontade foi em 2008, já era mãe de um rapaz há dois anos e li numa revista brasileira um texto da atriz (e agora também escritora) Fernanda Torres que, a propósito de um voo atribulado na ponte aérea Rio-São Paulo, confessava o seu medo de andar de avião nascido ao mesmo tempo que o filho. Tinha eu o texto alinhavado na cabeça quando, dias depois, se despenhou em Madrid o avião da Spanair e pareceu-me que ninguém levaria a sério um medo surgido com a maternidade em vez de com o acidente em Barajas. Adiei o texto por uns tempos.

E fui adiando. Sempre vi as minhas amigas com filhos (as sonsas) viajarem descontraidamente, pelo que achava que este medo era uma excentricidade minha partilhada com a Fernanda Torres e uma ou outra mãe mais melodramática. Nunca comentei o assunto. Até ler um texto que a minha amiga Ana Margarida Craveiro escreveu para o iMissio e percebi que tinha chegado a hora de também eu sair do armário. Pelos vistos somos muitas e temos vivido amedrontadas em silêncio.

Portanto, cá vai: desde que me tornei mãe que tenho medo de andar de avião. Eu, que nunca tinha sido afligida por esse medo, que saía de Portugal de cada vez que ia de férias, que viajava em trabalho intensamente, que fazia num ápice uma detalhada análise comparativa da British Airways, da Lufthansa e da Cathay Pacific quanto aos assentos e às televisões dos seus Boing 747, que conhecia as lojas de cada aeroporto, muitas vezes de cada terminal, e que ainda hoje tenho saudades da sala de espera da Cathay Pacific no aeroporto de Hong Kong (aquela em frente à porta 3 e com uma ótima pequena livraria em baixo).

Não fiquem a imaginar choro e ranger de dentes e cenas descontroladas de cada vez que ando de avião. Não, o meu medo é um medo sóbrio. Expressa-se sobretudo em pesadelos com desastres de aviões dias antes da viagem, num apoio incondicional a toda e qualquer medida de segurança nos aeroportos (e declaro já que temos muito a aprender com os Estados Unidos e a sua Transportation Security Administration, que alguns irresponsáveis – provavelmente sem filhos – reputam de abusadora) e na concordância com medidas questionáveis como listas de pessoas banidas das viagens aerotransportadas.

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O medo também se concretiza num menor número de viagens e, quando as faço, geralmente vou acompanhada pelos petizes, e então a única inquietação é satisfeita se fizer a viagem num daqueles dias de controlo de segurança apertado. Fico sempre encantada se o anel que não tirei apita nos detetores de metais e tenho de ser revistada. Se os seguranças do aeroporto, com as máquinas de raio x, detetam alguma tesoura de unhas que eu tenha esquecida na carteira e ma confiscam, correm o risco de serem abraçados por mim, tal a gratidão.

Tudo isto vem, claro, da convicção de que faço falta aos meus filhos. De que estarão melhor se crescerem sob a minha supervisão – e amor. E da minha vontade em assistir às suas vidas. Sinto-me na obrigação de minimizar os riscos que corro. É também por isso que é improvável que volte a fumar (ainda que tenha muita vontade de cada vez que oiço ou leio o secretário de estado da saúde Leal da Costa), que guio mais devagar (apesar de nunca ter sido muito acelera) e que dedico tempo a exames médicos anuais (em tempos pré-maternidade vistos como uma perda de tempo: nada melhor do que ignorar aquilo que não se faz sentir).

Termino com palavras para os leitores masculinos do Observador: não pensem que escapam ou que este medo é uma maluquice de mãe. Na conversa no Facebook que se seguiu à publicação do texto de Ana Margarida Craveiro, o jornalista Paulo Pinto Mascarenhas contava ter a mesma (des)afeição por viagens de avião desde o nascimento da filha mais velha. Mas podem ficar descansados, os leitores masculinos: com grande probabilidade têm companhia numerosa e ainda não sabem.