Fui o melhor aluno do meu curso, dos melhores de sempre da universidade e por isso paguei a pesada fatura no mundo académico por ser bom, melhor que os que lá estavam, não podia evoluir senão ocupava-lhes o lugar, e no mundo profissional, porque sobre mim depositei e depositaram expectativas tão altas, que qualquer insucesso era sentido como uma enorme deceção ou falha sobre a minha profissão e os meus objetivos.
Contexto temporal: Nasci em 1982, numa geração de meninos e meninas suburbanas filhos dos pais de Abril, numa comunidade e bairro de classe média rodeado de pequenas comunidades mais desfavorecidas de Palops, Indianos, etc, que migraram para o nosso país no final dos anos 70, início de 80.
A desigualdade social aliada à etnia era gritante, nada mais xenófobo e racista do que uma escola pública colocar os meninos brancos nas turmas da manhã (com bons horários) e os outros, os diferentes, nas turmas da tarde com horários e professores “menos favoráveis”. O choque cultural e racial era inevitável. Eram “esperas” à porta da escola, assaltos no caminho da escola até casa, as meninas “apalpadas”, etc.
A ausência de sensibilidade por parte de quem organizava as turmas e a distribuição das mesmas conduziu a um afastamento cultural e étnico, que caso não tivesse sido travado pelo diluir do tempo e dos anos, teria conduzido a traumas e choques perpétuos no tempo e na sociedade. Tanto poderia e deveria ter sido feito nestes anos para dar a mesma oportunidade a todos, explicar aos alunos e aos pais que todos eram importantes, e que não era apenas estudar e apontar para o muito bom que conduzia a ser um “bom aluno”.
A ausência de tentativas de inclusão através de campanhas de sensibilização humana, cívica e social, deu lugar a uma corrida pelo lugar de excelência ou de melhor aluno. Quem tinha a melhor nota interessava, apenas isso……Professores e pais foram os grandes culpados. É fácil de perceber porquê: o Estado Novo apenas licenciava os meninos de bem e os filhos de boas famílias. O comum cidadão não tinha direito a um grau de licenciatura a menos que o “padrinho” fosse bom.
A revolução industrial e a guerra do séc XX conduziram a uma necessidade de mão de obra dura agrícola, rural e industrial, especialmente nas classes mais jovens. É lógico que os pais de Abril não queriam que os seus meninos e meninas passassem por isso. A vontade dos pais e professores era formar a maior geração de licenciados de sempre, custasse a quem custasse. Ser Doutor ou Engenheiro era o futuro, independentemente de toda a gente rumar no mesmo caminho, isso não interessava, o orgulho e vontade dos pais e professores era tal que não se pensava nas consequências. Sendo assim, no final dos anos 90 e início dos 00, existe uma abertura massiva das faculdades privadas em Portugal.
Alimentadas pelo interesse de alguns grupos económicos e de fundos privados, a abertura de universidades ao desbarato criou uma geração de licenciados massiva, os mais bem formados de sempre! Pormenor: esqueceram-se de que se calhar 7 faculdades de Medicina Dentaria eram demais, se calhar não eram necessários 10000 psicólogos ou 10000 arquitetos por ano. A sede de satisfazer a fome dos pais e professores de Abril foi tal, que o Ministério público não mediu as consequências dos seus atos e aprovações. Foi permitido tudo, a toda a gente. Resultado: excesso de licenciados e falta de eletricistas, pintores, carpinteiros…etc. etc. etc.
No meio de tanto excesso de formação académica as faculdades viram uma ótima oportunidade de negócio: Vamos vender a ideia de que se forem os melhores alunos, então terão oportunidades de vingar na vida académica e profissional. Terão acesso a mestrados, doutoramentos (mais dinheiro para as universidades), as empresas vão recrutá-los a porta das universidades, fazer deles profissionais de excelência e com uma vida boa, com meritocracia, etc……..Pois então, mentira. Venderam-nos a mentira, e fizeram os nossos pais pagar o couro e cabelo por isso.
A verdade crua e dura é esta: O mundo profissional é feito de pessoas e para pessoas, não é feito de livros e de notas. O bom aluno não traduz o profissional de excelência nem vice versa, e se existe justiça profissional meritocrática essa não se verifica sem uma boa almofada de conhecimento ou apadrinhamento pessoal e profissional. O Português é um povo mesquinho, invejoso, intolerante com o sucesso dos outros, é culturalmente anti meritocrático. E a ideia que nos venderam a nós, os meninos dos anos 80 e 90 foi a ideia contrária: filho estuda muito, sê bom aluno e terás uma vida boa.
Outra consequência direta foi o enorme êxodo de jovens profissionais para fora de Portugal à procura de uma vida melhor. Longe dos pais, da família, típico de um país pobre que se vê obrigado a procurar além fronteiras o sucesso e a congratulação que a sua pátria não lhe consegue, pelas razões acima mencionadas, proporcionar. Envergonhem-se Pais, professores, políticos gananciosos por terem brincado com os nossos sonhos e expectativas de meninos, por ganância, vaidade e por satisfação pessoal e emocional.
Penso que a lição a tirar desta reflexão é a seguinte: Não devemos desvalorizar a nota e o esforço académico, mas tão ou mais importante que isso é aprendermos a cultivar enquanto alunos a nossa componente humana, cívica, social e cultural. O sucesso académico deve andar de mãos dadas com o sucesso de cidadania e humanização das relações interpessoais e interculturais. A tolerância ao próximo e o reconhecimento do seu mérito vale tanto como um 20.
Assim se faz um bom aluno, mas também um bom ser humano que dará se Deus quiser um ótimo profissional.