Há problemas que, para mim, estão acima de qualquer questão política. São questões de princípio. O racismo, a discriminação das minorias, as faltas de respeito pela integridade física e psicológica dos seres humanos são apenas algumas delas. O racismo, por exemplo, tem de ser condenado sem reticências. Duramente. E tem de ser acompanhado de ações públicas e políticas que melhorem o estado das coisas.

Mas de há algum tempo a esta parte, uma questão que parece de simples bom senso transformou-se profundamente. Hoje, para se ser um bom antirracista tem de se subscrever a tese “Orientalista” que muito simplificada nos diz que existe uma permanente perpetuação e reprodução do colonialismo levada a cabo pelas maiorias brancas, que não querem perder o seu estatuto de “originárias” das sociedades ocidentais.

O Orientalismo e o Pós-Colonialismo são teses radicais que possibilitam a perpetuação da luta anticolonial. É esta perspetiva que legitima a violência nas ruas, o vandalismo de estátuas e a mudança de nome de instituições com dezenas de anos. Legitima uma espécie de destruição dos legados históricos, acreditando que se pode fazer tábua-rasa do passado e recomeçar num mundo de perfeita harmonia em que todas as etnias, credos e qualquer outro tipo de diferenças sociais não existem. Ou seja, não é mais do que uma fantasia utópica. E, como todas as utopias, esta também tem um grande potencial destrutivo.

Desde logo, rejeita qualquer abordagem antirracista que não seja a sua. Alguém que como eu que defende que o racismo se combate tendo em conta a situação social do presente – sem que para isso seja preciso derrubar estátuas – é logo proscrito como inimigo da causa. Quem defende que a integração social das minorias se deve fazer paulatinamente, mas com sentido de urgência – a única forma que me parece verdadeiramente eficaz para acabar com discriminações – é visto imediatamente como um perpetuador paternalista de um passado que tem de ser arrancado pela raiz. Ou seja, eu não posso ser antirracista em paz. Tenho que ser antirracista consoante as regras que outros escolheram para eu seguir. O exercício da minha liberdade de pensar torna-se uma espécie de pecado original que prolonga no tempo a minha estreiteza de vistas.

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Nos últimos anos, esta questão entre as várias que constituem o politicamente correto – que agora se chama Counter Culture que, apesar de tudo, é um nome melhor – adensou-se de forma quase sufocante, dividindo o mundo entre bons e maus.

Existe um conjunto de assuntos, quase todos eles de conteúdo louvável, que se tornaram matérias fraturantes nas sociedades. Mas a razão dessa fratura já não é ser contra ou a favor, como no passado. É ser moderadamente a favor (ou contra) ou radicalmente a favor (ou contra). E esta tendência tem sido causa de despedimentos por “delito de opinião”, proscreve textos ou filmes pela mesma razão, provoca cartas abertas de escritores que se sentem prejudicados por porem no papel a suas opiniões diferentes desta (ainda) minoria barulhenta. Mais, provocou fenómenos populistas que têm prejudicado seriamente a forma como vivemos as nossas democracias.

Sabemos a origem deste movimento Counter Culture. Vem dos Estados Unidos. Mas como todos os movimentos deste tipo, cheios de fervor ideológico – já tinha percebido o Martin Wight, e mais recentemente o John Owen – este também é transnacional. Ultrapassa fronteiras e instala-se, criando condições para levar as populações – e os governos que querem ganhar votos – a um pensamento com cada vez menos nuances.

Ainda vamos a tempo de persistir na nossa liberdade de pensarmos como achamos mais adequado. Mas é importante estarmos conscientes de que há quem prefira dizer-nos como o fazer ou dizer e quem queira limitar o nosso espaço de livre opinião. É isso que queremos?