No processo de “grande reinício” promovido pelo Fórum Económico Mundial, foram feitas uma série de previsões sobre como será o mundo em 2030.

Pelo menos relativamente a uma delas, atrevo-me a dizer que não se trata de uma previsão, mas antes uma constatação de facto, perfeitamente observável no mundo de 2022.

Segundo essa previsão, “os valores que construíram o Ocidente terão sido (até 2030) testados até ao seu ponto de ruptura” (tradução minha).

Creio que isto já se verifica relativamente a muitos dos valores tradicionais do Ocidente e em particular quanto ao valor estruturante da Liberdade.

A compreensão tradicional de Liberdade, sem querer simplificar demasiado, via nela, a faculdade de procurar o bem por si mesmo, como exercício da razão e, em consequência, de escolher o bem em vez de escolher um mal. Certo é que a Liberdade, enquanto conceito implicou sempre, pelo menos para o homem ocidental, um discernimento entre realidades de valor diferente, pressupondo uma escala de valores, uma graduação assente na verificação de que as coisas, os factos e os actos humanos são diversos, não têm todos o mesmo valor, nem resultam nas mesmas consequências.

Abreviando uma longa história, não é difícil observar que com a ilustração o mesmo homem ocidental decidiu abraçar a promessa de liberdade sem condições.

Dolorosamente, logo após a Revolução Francesa, a Europa experimentou o amargo sabor desse elixir que parecia trazer a eterna felicidade aos homens, nas pontas das baionetas dos soldados de Napoleão.

Desde então, em nome de ideais mais ou menos libertadores ou libertários, o velho continente, exangue, não deixou de avançar por esta senda, caminhando entre turbulentas revoluções, quer liberais quer comunistas, filhas da mesma promessa.

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Daí em diante a história é conhecida: o sonho da república de Weimar, liberdade e niilismo, a reacção nacionalista germânica e o desastre de 39-45, que paulatinamente conduziu os povos europeus ao desespero, e a mais niilismo, mais relativismo e consequentemente a menos Liberdade, pelo menos daquela Liberdade que não é autonomia negativa, que não se define apenas por não ter limites, que não se constrói a si mesma por um subjectivismo e individualismo radical… E assim chegámos a 68…

A partir daí, avançámos, sem reflectir, para a aquilo a que CS Lewis chamou a abolição do homem, num ambiente de aparente liberdade, mas de uma nova liberdade que nos permite sair da nossa realidade, voltar as costas àquilo que nos é próprio de maneira clara e evidente, uma liberdade expressa pelo eufemismo da autodeterminação ou do livre desenvolvimento da personalidade.

Em consequência, num brevíssimo período de tempo, no prazo de uma geração, assistimos à deslocação da compreensão da realidade em matérias de antropologia, de filosofia, de política e de direito. Aquilo que nos anos oitenta era aceitável, a nossa mundividência, a verdade em que assentávamos os nossos planos, deslocou-se debaixo dos nossos pés, até à marginalidade radical… As modas, os nossos hábitos e costumes, mudaram até a um ponto em que tudo que que estava para trás foi sendo progressivamente posto em causa e proscrito.

À semelhança do que aconteceu em momentos prévios, de forma aparentemente liberal, assistimos ao que já sabemos de cor: cancelamento, restrição ao pensamento e às convicções de cada um, penalização de comportamentos e opiniões tidas por anti sociais e consequentemente ofensivas, chamadas genericamente “crimes de ódio”, tudo em nome da liberdade, até à inevitável imposição de uma nova ortodoxia.

Ao sabor das obsessões dos «inovadores sociais», apetrechados de uma cientificidade, nunca comprovada, assistimos à manipulação da compreensão ocidental da liberdade, sujeitando-a a perspectivas ideológicas, subjectivistas e individualistas. A pouco e pouco, vai emergindo um novo conceito de liberdade, baseado no que me apetece, no que sinto, no que quero…. desligado da realidade objectiva e das consequências da acção humana, e a ordem social vai sendo “renovada e substituída” de maneira arbitrária.

Num determinado ponto do processo, o Estado assume como suas as novas convicções ideológicas e, com o poder que lhe é próprio, trata de as disseminar indiscriminadamente ameaçando definitivamente a Liberdade no seu sentido tradicional.

Aquilo que até aqui eram apenas visões sectárias de pequenos grupos, passam a constituir o diktat do Estado, que as passa a tutelar efectivamente através de instruções, normas e regulamentos que cristalizam os novos mandamentos.

O Estado, por exemplo, sempre em nome da liberdade e de um princípio de não discriminação, não tem hesitado em introduzir, em programas de ensino infantis e juvenis, as chamadas teorias de género, que se vão univocamente consolidando com prejuízo para todas as outras visões do homem, perturbando muitas vezes o crescimento livre e equilibrado das crianças e jovens.

Vergados às minorias colectivizadas, aceitamos o cancelamento público por parte dos que, condescendentemente, nos libertam de nós próprios, das nossas ideias tolas, da nossa inocência infantil, da nossa maldade intrínseca, do nosso egoísmo, do nosso património, da nossa religião…

Confrontados com esta realidade, no SalL, Associação para a defesa da Liberdade, juristas, médicos, arquitectos, professores, pais e mães, filhos e estudantes, empenharam-se num projecto, cujo objectivo é simples: procurar elevar de novo a discussão sobre toda esta realidade e levá-la para fóruns em que não se faça apenas ruído, nem silêncio, onde possa acontecer um diálogo racional baseado em tudo aquilo que nós somos, sem pôr de parte, por preconceito, a realidade que nos coube viver e que temos diante dos olhos, seja ela a realidade histórica, cultural, económica, biológica, religiosa etc.

Sem presumir que temos a solução para todos os problemas do homem, podemos contribuir para discutir algumas soluções que têm sido adoptadas pelos poderes públicos, com base nesta concepção negativa da liberdade, com impacto nas nossas liberdades de expressão, de consciência, de profissão, de religião e de educação.

Pretendemos contribuir para a avaliação da bondade dessas opções e ponderar as consequências em que resultam.

Por isso, a favor da liberdade na educação, a favor da liberdade dos pais a educarem os filhos e dos filhos a terem uma educação integral, a favor da liberdade dos professores, sem preconceitos baseados em ideologias, num pequeno gesto, movemos uma acção junto dos Tribunais Administrativos, que tem em vista a remoção dos conteúdos ideológicos da disciplina de educação para a cidadania, que comprovadamente têm tido impacto em muitas famílias, simplesmente por serem contrárias às suas convicções mais profundas.

É que o mundo das ideologias não é o mundo da realidade, mas o mundo da fragmentação e do sectarismo, e em nome da nova liberdade, é bem provável que acabemos novamente em campos de concentração, ainda que virtuais, privados da verdadeira Liberdade.