Boas e más notícias: o atual imperativo global de teletrabalho permite manter postos de trabalho, eficácia e resultados nas empresas, mas também gera cúmulos de stress, frustração e uma exaustão que pode levar ao burnout. Estudos recentes-recentíssimos, de 2019/20, alertam para os efeitos perversos do tecno-stress, mostram o impacto da invasão tecnológica domiciliar e falam de uma inclinação cada vez maior para a ruminação afetiva. Ou seja, o remoer consciente e constante, a propósito e a despropósito de ideias stressantes. Estes estudos advertem para as consequências nefastas da ruminação negativa de ideias e assumem que grande parte é potenciada pelo teletrabalho.

Atravessamos um tempo do tudo ou nada. De um lado, os que perderam emprego, os que se sentem excluídos, os que andam perdidos. Do outro, os profissionais que se mantêm no ativo, uns em sobrecarga, no seu posto, outros a trabalhar a partir de casa e todos a contribuírem para a sobrevivência das organizações e para a debilitada saúde das economias locais e nacionais, providenciando o sustento próprio bem como o de todos aqueles que pertencem ao seu agregado familiar, mas fazendo tudo isto à custa de muito desgaste e algum sofrimento.

Da noite para o dia fomos sobrecarregados de tarefas que antes resolvíamos a partir de gabinetes e escritórios, nas organizações. A conciliação voltou a ser uma miragem porque a vida profissional agora gere-se no espaço pessoal, a partir da sala ou do quarto, entre cozinhados e engomados, pilhas inconcebíveis de roupa para lavar e secar, compras de supermercado por fazer e prazos por cumprir, convivendo na mesma sala com cônjuges ou companheiros, quando os há, mais filhos e enteados de várias idades todos a tentarem trabalhar, estudar ou acompanhar aulas online. Isto para não falar dos que têm em casa pais doentes ou familiares acamados, a precisarem de ser ainda mais protegidos e cuidados.

A casa, grande ou pequena, melhor ou pior, era o nosso refúgio e o lugar onde tentávamos desligar, descansar e recuperar forças, mas agora é o espaço onde tudo acontece ao mesmo tempo, 24 x 24, 7 dias por semana. As obrigações domésticas e as rotinas familiares criavam uma bolha diferente, porventura tão exigente como a profissional, mas marcavam efetivamente um tempo e um espaço distintos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A partir do momento em que os quartos, a sala, a cozinha, o corredor e todo o perímetro da casa passaram a ser usados prioritariamente para estar online, para ler e responder a mails, para calls de trabalho e chats profissionais, todos nos sentimos invadidos, facilmente irritados e demasiadas vezes à beira do colapso. Tudo isto, mais a impaciência e a sensação de não ser capaz de gerir tanta tecnologia gera o chamado tecno-stress e consequente ruminação negativa que afeta o bem-estar e a saúde mental.

Bem sei que a dependência crescente da tecnologia é muito anterior à pandemia e que uma esmagadora maioria da população ativa mundial já vive há muitos anos suspensa dos mails, a lê-los no telemóvel e a sentir-se na obrigação de responder, mesmo estando a jantar com a família, sendo fim de semana ou já fora de horas. Sabemos tudo isto, mas o racional ajuda pouco quando se trata de aplacar a chamada ruminação afetiva que nos atravessa dia e noite, dentro e fora das horas de expediente profissional, neste tempo de restrições e distanciamento social, sobretudo quando nos sentimos afogados em tarefas e solicitações que só se resolvem usando tecnologia.

Se trago aqui as questões do tecno-stress e da ruminação de ideias é porque tenho muito presente a tese de Mestrado defendida online ontem, na Nova SBE, pelo jovem libanês Habib Fadel, que tive o prazer de arguir por pertencer ao júri presidido por João Silveira Lobo e composto naturalmente por Pedro Neves, o professor orientador de uma tese relevante e incisiva, que nos deixou a pensar sobre mais e melhores formas de respeitarmos os tempos pessoais e profissionais de cada um. Sejamos gestores ou colaboradores, alunos ou professores, médicos, cientistas, artistas ou investigadores, não podemos ignorar o impacto brutal da super exigência a que estamos sujeitos pelo excesso de tecnologias disponíveis em tempo de teletrabalho.

Vou aos factos citados por Habib na sua tese, entretanto tornada pública, mas antes ainda revisito a conversa final entre todos, já depois da nota atribuída. Habib confessou que também ele é diariamente confrontado com o tecno-stress, a invasão profissional da esfera privada e o imperativo atual de estar sempre online, disponível para toda e qualquer solicitação profissional ou académica, já que é um libanês a morar e a trabalhar a partir de casa em Toronto, a estudar numa universidade em Carcavelos e a relacionar-se com familiares e amigos no Líbano. A ruminação de ideias negativas também não lhe é alheia, sobretudo depois da devastadora explosão no porto de Beirute, a sua cidade natal, no passado dia 4 de Agosto.

Em 2005 havia 1.1 biliões de utilizadores de internet, em 2020 há 4.8 biliões. Ou seja, 61.4% da população mundial é altamente dependente da net e das novas tecnologias. Em 2019 foram enviados por dia cerca de 293 biliões de mails profissionais e atualmente todos conseguimos resolver na net quase todas as questões que há bem pouco tempo nos exigiam deslocações e horas perdidas em repartições e serviços com guichets e filas de espera. Um simples clic faz toda a diferença e facilita incrivelmente a nossa vida, mas (há sempre um ‘mas’) a outra face desta moeda não é tão dourada.

O acesso fácil e imediato à net criou uma super exigência por parte de quem gere equipas e organizações e resultou numa sobrecarga tremenda para os colaboradores, que vivem assoberbados de tarefas e estão implicitamente obrigados a corresponder e a saber gerir prioridades e prazos, mas também a saberem lidar sozinhos com computadores que falham e tecnologias que tanto servem para os ajudar como para os stressar.

E é nesta ambiguidade que se geram cada vez mais pensamentos negativos e auto depreciativos. A frustração pela incapacidade de atender a tudo e a todos, a sensação de que por mais que tenha ficado feito, ficou muito mais por fazer, a exigência de quem espera que tudo aconteça naturalmente como se estivéssemos preparados para esta avalanche, mais as expectativas irrealistas que muitos chefes e pares têm sobre colaboradores e colegas, leva à tal ruminação negativa que afeta o sono, provoca mal estar, multiplica a ansiedade e pode mesmo levar à depressão.

Por tudo isto e porque todos somos vulneráveis ao burnout, mas acima de tudo porque algumas coisas ainda vão piorar antes de começarem a melhorar, importa começar a desenhar melhores estratégias profissionais e a pensar em incentivos, em formas de proteger os que se sentem mais desprotegidos e de resgatar quem se sente afundar.

Os melhores exemplos citados por Habib Fadel vêm de empresas e organizações lideradas por pessoas capazes de promover o bem-estar dando sinais de que valorizam os seus profissionais e o trabalho que estão a fazer. Alguns criaram incentivos extra, outros reforçaram os seguros de saúde, outros ainda mantiveram os postos de trabalho a todo o custo e houve mesmo quem não desistisse de premiar os seus colaboradores. Quando nada disto foi possível, mas prevaleceu o sentido de pertença e a certeza de que mesmo confinados, isolados, distantes e a trabalhar mais em casa, os colaboradores sentiram que não estavam sozinhos e que a empresa valorizava especialmente o seu esforço, isso também colheu muitos e bons frutos.

Last but not least, o que fica muito evidente nos estudos recentes citados por Habib Fadel e ao longo da sua própria investigação, é a urgência de encontrar estratégias criativas para atenuar os maiores stressores atuais, sejam tecnológicos ou outros, para minimizar a ruminação negativa e maximizar a eficácia.