1. Vamos começar pelo fim. A estratégia, entre (muitas) outras matérias básicas de liderança, não é o forte de Bruno de Carvalho. Se fosse, o ex-presidente do Sporting ter-se-ia afastado após os ataques terroristas e cobardes à Academia de Alcochete e hoje, provavelmente, ainda estaria em condições de disputar as eleições.

O problema de Bruno de Carvalho é que parece viver numa espécie de realidade paralela a que só ele e o pequeno grupo de fanáticos que o apoia têm acesso. Nessa espécie de 5.ª dimensão leonina, BdC não foi humilhado numa Assembleia-Geral (AG) que lhe retirou as funções de presidente do Sporting (o que aconteceu pela primeira vez na história do Sporting), não foi derrotado em toda a linha nos tribunais onde ficou claro que violou os estatutos do clube e os jogadores que foram agredidos em maio por um grupo de 50 marginais depois de terem sido humilhados em público pelo líder do clube deveriam ter ‘comido e calado’. E, claro, o resultado da AG deste sábado foi manipulado e não corresponde à ‘realidade’ da claque ruinosa, agressiva e violenta que tentou manipular o sentido da reunião magna dos sportinguistas.

Nesse mundo de fantasias perigosas, há um facto que é indesmentível: a recandidatura de Bruno de Carvalho às eleições de setembro, anunciada poucas horas depois de ter dito que abandonava o clube como sócio, e até como adepto, e de ter sido destituído com mais de 70% dos votos dos sócios presentes na Assembleia-Geral, vai voltar a unir a oposição e fomentar o aparecimento de um candidato credível e agregador que una as diferentes tendências do Sporting.

Ou seja, parece que a lição clara de democracia, civismo e cidadania que foi dada pelos sócios do Sporting no último sábado não foi suficiente para BdC ir descansar para casa.

A única explicação possível para esta teimosia passa por aqueles atores que, quando iniciam o seu declínio, recusam-se a abandonar o palco por narcisismo puro e duro. Estão viciados em ser o centro das atenções e não compreendem que têm de dar o lugar aos outros.

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2. “Portugal é considerado, por avaliações internacionais, como o terceiro país mais seguro do mundo e isso é essencial antes de mais para os portugueses (…) mas também é fundamental para a economia, porque só um país seguro atrai turistas, investidores e novas populações”. Só estas declarações proferidas por Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, em novembro de 2017, bastariam para que o Governo de António Costa tivesse iniciado procedimentos para retirar o Estatuto de Utilidade Pública ao Sporting Clube de Portugal logo após o ataque a Alcochete e as lamentáveis (entre muitas outras) declarações de Bruno de Carvalho sobre esse ato criminoso.

Mas não foi nada disso que aconteceu numa passividade que é difícil de compreender. O Governo preferiu refugiar-se nos pormenores técnico-jurídicos do conceito legal de Estatuto de Utilidade Pública para não intervir no Sporting, mas não podia ignorar a mancha que aquele ataque terrorista teve na imagem de Portugal como um dos países mais seguros do mundo. É que Bruno de Carvalho e os seus apoiantes radicais, muitos deles com assento nas claques ultras do Sporting, podem ignorar que Portugal é um dos países mais seguros do mundo — mas o Governo de António Costa não só tem a obrigação de manter esse estatuto como até de melhorá-lo.

É certo que o Executivo reagiu a tempo e horas no dia do ataque à Academia de Alcochete por mais de 50 marginais mas não o fez ao mais alto nível — como a situação obrigava pelos danos na reputação internacional do país e como Marcelo Rebelo de Sousa e Ferro Rodrigues (as duas primeiras figuras do Estado) perceberam desde a primeira hora.

António Costa só falou um dia depois para anunciar ‘à Guterres” uma nova Agência e lei contra a Violência do Desporto — que já tinha sido anunciada em abril. Enquanto o próprio ministro Eduardo Cabrita falou genericamente num caso “gravissímo”.

Curiosamente, apenas dois meses antes, Costa não via qualquer problema de violência no futebol. A sua definição de violência era a grega: “Aí houve um dirigente que entrou de pistola no meio do campo… Ainda não chegámos a esse ponto”, afirmou Costa.

3. Esta questão, a do Estatuto de Utilidade Pública, pode parecer mas não é de somenos. É o instrumento ideal para que o Governo ‘seduza’ todos clubes desportivos profissionais e não profissionais para a seguinte ideia: a violência e os negócios ilícitos nunca serão aceite pela comunidade — e merecem mesmo um cartão vermelho direto.

As cenas de violência associadas aos fenómeno desportivo têm subido nas últimas épocas desportivas, como especial destaque para a última. Isto, isto, isto, isto, isto, isto e isto não são comportamentos inadmissíveis num país que quer continuar a ser dos mais seguros do mundo. Nem assistir na televisão, nos sites ou no youtube a imagens de grupos vândalos a investirem com cadeiras e paus contra outro grupo de adeptos pode passar a ser uma coisa corrente.

Em sintonia com a Federação Portuguesa de Futebol, cujo presidente já alertou para os perigos da atual situação, e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o Governo tem de tomar medidas para matar o problema pela raiz. É essa a obrigação de António Costa.

4. A situação de Bruno de Carvalho começa a ter cada vez mais paralelismos com a de Vale e Azevedo. Ambos populistas, ganharam o poder com discursos contra o inimigo imaginário das elites, fizeram dos media um adversário e tentaram contrariar a realidade dos factos até ao máximo das suas forças.

João Vale e Azevedo foi eleito presidente do Benfica em 1997 mas três anos depois, quando já estava a ser alvo de diversas investigações criminais, perdeu as eleições contra Manuel Vilarinho. Mesmo assim ainda recolheu 38% dos votos — o que equivaleu a mais de 96 mil votos.

Pouco mais de um ano depois, foi preso pela Polícia Judiciária a propósito do caso Ovchnnikov. Viria a ser condenado em 2002 nesse processo, onde era suspeito de se ter apropriado de fundos do Benfica, a quatro anos de prisão efetiva. Mesmo naquele momento, Vale e Azevedo ainda tinha o apoio de cinco fanáticos que acreditavam nas suas teorias conspirativas.

Um erro que muitos dos fanáticos que apoiam Bruno de Carvalho também cometem. Em breve, muitos deles perceberão que foram enganados.