Numa tarde em que nada de importante tínhamos para fazer, meu pai convidou-me para ver o primeiro episódio de Star Wars. Estávamos em 1977 e os efeitos especiais maravilharam-nos, tal como maravilharam gerações de espectadores. Mas já na altura tive reacções contraditórias: era um filme divertido e espectacular, mas a história parecia-me pobre. Depois, como muitos milhões pelo mundo inteiro, cedi à imaginação e ao humor de George Lucas e dos seus seguidores.
Nos anos seguintes, continuei a ver os diversos episódios da saga. No Natal, aproveitando os tempos livres e a disponibilidade dos meus filhos, regressamos frequentemente ao grande écran para ver Luke Skywalker e a Princesa Leia. Assim aconteceu agora com Os Últimos Jedi. Nesta última película, contudo, a imaginação é mais fraca, o humor mais pobre e as personagens menos interessantes. Por tudo isso, as limitações do filme saltam para primeiro plano.
Os erros científicos repetem-se, e são tão frequentes que se torna difícil esquecê-los. O erro mais repetido é o de se ouvirem sons no espaço vazio. Ora os sons são vibrações que se propagam num meio material: ar, água, terra ou outros; nada se pode ouvir no espaço vazio.
Outro erro é o de se mostrarem naves atacadas explodirem no espaço. Na realidade, sem um meio com oxigénio não é possível uma explosão com labaredas que se espalham e perduram enquanto a nave é destruída.
Após a destruição, as naves caem parabolicamente. Mas caem como, se não se manifesta força gravitacional? Deveriam seguir o seu movimento inercial, quanto muito desviando-se ligeiramente pelo impacto dos projécteis.
É também estranho que, num planeta, se veja de noite uma lua junto ao horizonte com o limbo iluminado do lado superior. Onde estaria a estrela desse sistema solar? Passando a noite acima do horizonte? De dia, já agora, estaria abaixo do horizonte?
Tal como é estranho que se fale de parsecs como se se tratasse de uma unidade de tempo. Na realidade, um parsec é uma unidade de comprimento utilizada em astronomia para distâncias elevadas. Um parsec equivale a cerca de 3,26 anos luz, ou 206 mil vezes a distância média da Terra ao Sol, a chamada unidade astronómica. Tecnicamente, é a distância que gera uma paralax de um segundo de arco, ou seja, a distância a que se encontra uma estrela que parece deslocar-se contra o fundo celeste de um arco de segundo quando o nosso planeta se desloca uma unidade astronómica, perpendicularmente à direcção da estrela. Não tem pois nada que ver com tempo.
Eu sei, eu sei… Eu sei que tudo seria menos emocionante se não se ouvisse o zumbido das naves, se as fortalezas voadoras não explodissem, se a lua fosse igual à nossa e se o tempo fosse medido em horas. Mas Arthur C. Clarke, Isaac Asimov e outros criadores de ficções imaginativas e inteligentes mostraram-nos que se pode ser criativo sem maltratar a racionalidade científica. O mesmo acontece em trechos anteriores de Star Wars. Não é o caso neste episódio.
Talvez ainda mais paradoxal seja a sociedade que o filme retrata. Estamos a lidar com uma civilização muito avançada, que domina as viagens galáticas pelo “hiperespaço” (o que quer que isso seja!), que tem armas capazes de envergonhar as bombas atómicas, que utiliza sistemas de comunicação instantâneos, que tem naves capazes de atingir a velocidade da luz (o que é impossível de acordo com a teoria da relatividade). Mas essa civilização avançada é, ao mesmo tempo, incrivelmente retrógrada. A resistência popular (esquerdista?) é dirigida por uma princesa, o império por um lorde. Têm crenças animistas e os talismãs mostram um poder real. Há uma seita de eremitas que preserva livros sagrados numa única cópia impressa e que pratica o bem por telepatia.
A resistência tem razão porque tem razão. Estão do lado certo porque estão. O que fazem é a favor do bem, mas não se vêem populações do seu lado. É o equivalente a um grupo de guerrilheiros fechados sobre si próprios, sem democracia, com muita espontaneidade, mas com uma liderança hereditária ou herdada.
O império chama-lhes também “resistência”, o que é estranho. Um poder não se refere nesses termos aos seus adversários. Chamar-lhes-ia “terroristas”, “bandidos”, o que fosse. Mas aqui parece que há um entendimento entre as duas partes, de forma que o mal se reconhece a si próprio como mal e o bem como bem.
Como este nosso planeta seria mais simples se isso aqui acontecesse! Mas por esta galáxia os textos sagrados já se encontram na internet e a realidade ultrapassa a ficção.
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PS: A fabulosa música que John Williams compôs para Star Wars foi o tema final do concerto de ano novo que a jovem Orquestra Filarmónica Portuguesa ofereceu, sob a direcção do maestro Osvaldo Ferreira e a apresentação culta e simpática de Mário Augusto. Nas suas palavras finais, o maestro enalteceu o espírito empreendedor da orquestra e afirmou, orgulhoso, que ela depende do público e não de subsídios. Elogiou ainda as escolas profissionais, pelo seu papel na formação inicial de jovens músicos. Foi um bom começo de ano.
Nuno Crato é professor de Matemática e Estatística no ISEG e um conhecido divulgador científico. De 1996 a 2011 escreveu regularmente para a imprensa e colaborou em programas de televisão e rádio. Publicou mais de 500 artigos e mais de uma dezena de livros de promoção da cultura científica. Por esse seu trabalho, foi por duas vezes premiado internacionalmente. Interrompeu a atividade de divulgação científica em Junho de 2011, quando foi nomeado Ministro da Educação e da Ciência. Recomeça-a hoje, com uma colaboração quinzenal no Observador.