Não há faixa de limpeza “suficiente” para um fogo com a “intensidade” de Pedrógão.
Jorge Abreu, presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, no dia 2 do julgamento do fogo de Pedrógão Grande

Dos fatores que determinam o comportamento do fogo – meteorologia, topografia e vegetação (combustíveis) – a ação humana apenas pode condicionar o último, pelo que a gestão do combustível deve logicamente constituir uma peça chave da proteção contra incêndios. Esta forma de atuação na preservação de incêndios é fundamental no nosso país, dado que existe uma estreita correlação entre as áreas ardidas e a acumulação de combustíveis na floresta portuguesa (Rego, 1991).

Segundo Pyne et al. (1996), esta abordagem compreende três estratégias básicas: Redução, Conversão ou Isolamento. Esta última é, nos últimos 15 anos (Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, 2006) a estratégia por nós adotada. Basicamente, a ideia é procurar quebrar a continuidade das formações vegetais com o objetivo de confinar um incêndio, efetivada através da manutenção de faixas corta-fogos.

No entanto, esta estratégia implica um custo de manutenção elevado e perpétuo e tende a excluir a gestão dos combustíveis dentro das manchas florestais. Consequentemente, desenvolvem-se enormes incêndios, para os quais as faixas se tornam indiferentes. Exemplos não faltam de incêndios a galgar grandes rios, grandes barragens ou autoestradas.

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Na verdade, pouco se sabe sobre a importância de tais faixas em Portugal. Não obstante, o Observatório Técnico Independente produziu, em 2019, um relatório sobre elas. No documento, compilam-se alguns estudos sobre a eficácia desta estratégia. Assim, temos que no sul da Califórnia (avaliados quatro locais no período 1980 – 2008. Syphard et al., 2011) que 22% a 47% dos incêndios foram detidos em faixas de gestão de combustível (de largura muito variável), 10% a 23% ajudaram ao combate, mas em 29% a 65% a propagação do fogo não foi afetada, isto sempre com combate, pois sem ele o sucesso das faixas não chegou a 1% dos casos. Ainda sobre o essencial balanço de custos e benefícios, Oliveira et al. (2016), para o Algarve, simularam o que seria o efeito de 100% da rede de faixas da rede primária planeadas (faixas com mais de 100 metros). A redução de área ardida não ultrapassaria 17% apesar dos custos estratosféricos: para reduzir um hectare de área ardida seriam necessários 26 hectares tratados (2,2 km de FGC com 120 metros de largura).

Perante esta realidade, de que valem os mais ou menos cinco metros de berma de estrada limpa, discutidos no julgamento em curso?

Conforme noticiado por este jornal à data, relembremos um termo que andou pela boca dos portugueses, o Downburst.

O fenómeno foi assim descrito por quem o presenciou (testemunho de habitante no Relatório da Comissão Técnica Independente):

“Cerca das 20 horas e pouco (não posso precisar a hora exata) escureceu totalmente e logo de seguida surgiu uma grande bola de fogo precedida por um vento, parecido com ciclone (…). O que por aqui passou não é o fogo que vinha lavrando nos pinhais circundantes mas sim uma espécie de bomba que rebenta do nada e que abre o céu numa claridade de chamas que espalha faúlhas, ou línguas de fogo, em todas as direções. Foram essas línguas de fogo que incendiaram a minha aldeia e outras em redor.”

Conforme sintetiza o relatório supramencionado, a maioria das vítimas fugiu de casa devido ao incêndio, casa essa que em geral não ardeu, tendo percorrido, em média, cerca de mil metros durante 2,5 minutos até ao local da fatalidade, falecendo na maioria dentro da viatura, carbonizados ou queimados. E vai mais longe: “Estas evidências devem ser interpretadas e projetadas com especial acuidade no âmbito da sensibilização e educação das populações relativamente aos comportamentos de autoproteção contra incêndios florestais.”

Um calor tórrido, sufocante, visibilidade nula, passagem obstruída, autoridades desnorteadas, caos e desespero. Fossem três, cinco ou 10 metros, e a tragédia teria acontecido nos mesmos moldes. Num cenário destes, as estradas não têm que estar limpas nas bermas dando uma falsa sensação de segurança, as estradas têm é que estar cortadas. Isto, sem esquecer, claro, que a proteção das pessoas tem de estar assegurada. Como? Com áreas seguras. O Programa Aldeia Segura, politicamente assassinado pelo “caso das Golas”, era, por este prisma, das melhores medidas adotadas. Se a tragédia pelo menos servir para aprendermos lições para o futuro, são locais seguros e não cinco metros de bermas que devemos discutir e implementar.

Marcelo disse, há dias, que estamos muito melhores. Voltarei ao tema para explicar porquê, mas aconselhava-lhe um pouco mais de cautela Sr. Presidente, que como sabiamente diz o povo, nunca fez mal a ninguém. Até porque tais palavras são parte previsível de um caminho já velho, que teimamos em voltar a trilhar, rumo a nova catástrofe.