Há um fenómeno estranho e incompreensível na política portuguesa. É este: a nossa direita está desesperada porque ganhou. E, ainda por cima, para adicionar perplexidade à surpresa, a nossa direita ganhou aquilo que é mais importante. É possível ganhar o governo sem ganhar o poder, como se viu por exemplo com Pedro Santana Lopes — e, quando isso acontece, é só uma questão de tempo até se ser corrido com alcatrão e penas. Também é possível ganhar o poder sem ganhar a batalha de ideias — e, quando isso acontece, é apenas uma questão de tempo até que aquilo que se faz seja desfeito com rapidez e sem memória. Mas, quando uma força política ganha a batalha das ideias, ganha o mais importante. Feito isso, chegará, mais cedo do que tarde, ao governo; chegando ao governo, exercerá o poder de forma duradoura; e exercendo o poder de forma duradoura, mudará o país.

É assim que estamos. Neste momento, a direita portuguesa não está no governo nem tem poder, mas ganhou uma das batalhas de ideias mais relevantes das últimas décadas. Agora, uma das grandes motivações eleitorais dos portugueses são as “contas certas”. Sabendo que, depois da última quase-bancarrota, provocada por José Sócrates, nenhum partido pode vencer as eleições sem garantir que manterá as contas públicas equilibradas, o PS transformou esse tema num dos seus mantras recorrentes. Há não muito tempo, os socialistas tinham como guia espiritual um Presidente da República que dizia que “há mais vida para lá do orçamento”. Neste momento, o líder do PS vai a eleições prometendo, sem equívocos nem subterfúgios, baixar a dívida e diminuir o défice. Perante isto, não há dúvidas: a direita ganhou, a esquerda perdeu.

Mas a direita portuguesa não soube ganhar. Em vez de festejar a conversão do PS (e do país) às “contas certas”, a direita entrou em depressão. Isto até leva uma pessoa a pensar que, de facto, o programa político da nossa direita partidária se esgota no défice e na dívida. Se for assim, é curto. Portugal é um país pobre e frágil. Para que isso mude, é preciso mudar antes, de forma substancial, a maneira como gerimos o nosso sistema de saúde, é preciso mudar a maneira como organizamos as nossas escolas, é preciso mudar a maneira como pensamos a nossa economia — e a isto segue-se um longuíssimo etc. porque há mesmo muito a fazer.

A nossa direita partidária choraminga em surdina e em desespero contra António Costa por, supostamente, o PS lhe ter roubado o discurso das “contas certas” — quando, na verdade, devia já estar a preparar os próximos passos. Mas, em vez de seguir em frente, há quem esteja até a voltar para trás. Esta semana, Luís Montenegro teve uma intervenção equívoca que foi interpretada por algumas pessoas como querendo dizer que as “contas certas” levam ao empobrecimento. Já antes, tinha espetado cartazes pelo país onde lamentava que a “austeridade socialista” estivesse a diminuir as pensões enquanto prometia, abraçando uma velhinha, que a “justiça social do PSD” não faria “nenhum corte” nas “pensões para o futuro”, o que mostra défice de prudência, excesso de audácia e total ausência de sensatez. Se este for, de facto, o novo caminho do PSD, então os eleitores serão forçados a concluir que Portugal não tem apenas a direita mais choramingas do mundo — tem também a direita mais kamikaze do planeta.

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