Já tudo será sido dito sobre os preocupantes resultados globais das eleições europeias (não, felizmente, no caso de Portugal). Modestamente, gostaria apenas de sugerir que a complexidade dos resultados bem como a elevada qualidade de muitos comentários e análises apontam num sentido inequívoco: precisamos de parar um pouco para estudar e ponderar.

Esta recomendação de estudo e ponderação impõe-se sobretudo aos que defendem a democracia liberal ocidental – fundada no primado da lei e na concorrência e alternância civilizadas entre a direita moderada e a esquerda moderada.

Foi esta concorrência, bem como a alternância, entre direita e esquerda civilizadas que esteve na base do sucesso das democracias euro-atlânticas desde a vitória democrática na II Guerra Mundial em 1945 – bem como, depois disso, na segunda vitória democrática após a queda do Muro de Berlim em 1989 e das pacíficas transições à democracia na Europa Central e de Leste.

Estas concorrência e alternância civilizadas assentaram sempre na recusa das “teorias” da luta de classes, bem como da luta entre o chamado “povo” e/ou “proletariado” contra as chamadas “elites” e/ou “oligarquias”. Estas “teorias” foram amplamente papagueadas pelo comunismo e pelo nazi-fascismo, bem como pelos seus “compagnons de route”. Por outras palavras foram comumente lideradas pelo semi-educado cabo Hitler, pelo ex-marxista Mussolini e pelo marxista Lenine.

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Um dos factores que permitiram a ascensão desses revolucionários semi-educados foi a erosão e declínio da concorrência e alternância civilizadas entre direita e esquerda democráticas. Sem querer exagerar, é a uma erosão semelhante do chamado “centro vital” que podemos estar a começar a assistir nos dias que correm.

A erosão do “centro vital” foi particularmente visível nos resultados eleitorais em França e, de forma mais atenuada, também na Alemanha. Mas, no caso da França, como escreveu o nosso amigo Daniel Johnson no (conservador-liberal) Sunday Telegraph de ontem (pp. 24-25), a França pode estar em vésperas de uma nova revolução – uma “revolução da direita radical que será vista como uma vitória de Putin”, em confronto com uma nova “Frente Popular que inclui a extrema-esquerda”.  Não seria uma inovação inesperada, acrescenta o conservador-liberal Daniel Johnson, uma vez que, “desde 1789, Paris viveu uma ocupação, dois impérios, três monarquias, quatro revoluções e cinco repúblicas”. Mas terá certamente um impacto tremendo em todas as democracias europeias.

Tem sido dito que a Inglaterra, como é tradição, será uma excepção – uma vez que as próximas eleições de 4 de Julho prenunciam uma vitória esmagadora do Partido Trabalhista de Sir Keir Starmer, agora enfaticamente recentrado. Este fantástico recentramento pode ser testemunhado na conversa com o Financial Times deste passado fim de semana (“Lunch with the FT”, p.3); ou ainda no incrivelmente pró-mercado artigo do próprio Sir Keir na edição de ontem do Sunday Telegraph (“Economic growth is the only solution to Britain’s problems – and we will deliver it”, p. 23).

Esta excepção inglesa será por isso até certo ponto confirmada pela previsível vitória esmagadora do Partido Trabalhista – de novo confirmadamente centrista, fazendo lembrar os bons velhos tempos de Tony Blair. Mas resta saber o que acontecerá ao ancestralmente centrista Partido Conservador. Sondagens recorrentes apontam para uma derrota eleitoral confrangedora, possivelmente associada a uma votação muito expressiva no chamado Reform UK – um partido da direita radical, liderado por um tal Nigel Farage, seguidor do radicalismo de Donald Trump (com a única vantagem de, diferentemente de Trump, saber abotoar o casaco).

Isto significa que a vitória centrista dos Trabalhistas poderá vir a ser acompanhada de uma derrota eleitoral inédita do mais antigo partido do mundo – o Conservative Party, fundado em 1834, tendo emergido do Tory Party, fundado em 1680 (como muito bem recorda Daniel Hannan, também no Sunday Telegraph, p. 23).

A este propósito, vale também a pena recordar que outro conservador-liberal, o também nosso amigo Charles Moore, biógrafo autorizado de Margaret Thatcher, sublinha no Daily Telegraph de sábado a gravidade intelectual e política do presente cenário euro-atlântico, com a emergência de uma direita radical e de uma esquerda radical, em tudo contrárias à tradição democrática-liberal do Ocidente.

Lord Moore considera por isso solenemente que chegou a altura de promover um estudo e reflexão globais sobre as tradições da direita, e também da esquerda, democráticas na cultura e civilização ocidentais. Anuncia, aliás, que o tema será objecto de um novo programa de investigação no Think Tank conservador-liberal designado por Policy Exchange.

Em suma, tempo de estudar e de ponderar.

Post Scriptum: Sinto-me na obrigação de apresentar as minhas desculpas aos eventuais leitores regulares desta minha coluna pela ausência nas passadas três crónicas quinzenais (seis semanas). A ausência deveu-se a uma visita académica de seis semanas em Oxford, onde fui absorvido por debates, reflexões e leituras sobre precisamente o tipo de problemas que refiro na presente crónica. Seguiu-se a 32ª edição do Estoril Political Forum, de 3 a 5 de Junho no Hotel Palácio do Estoril, em que os mesmos problemas estiveram sob intenso debate e intensa reflexão. Espero agora conseguir retomar a periodicidade quinzenal destas minhas crónicas – apesar do imperativo de parar um pouco para estudar e ponderar.