O povo falou, como se costuma dizer, ou, como eu prefiro dizer, as pessoas falaram. Com o veredicto popular, termina, em meu entender, o ciclo da saudável rivalidade democrática. E abre-se o ciclo da saudável re-união democrática. É assim que o regime parlamentar britânico tem funcionado desde 1688. Acredito que o Reino Unido será capaz de conservar essa antiga e nobre tradição. Faço votos de que as outras nações da União Europeia possam agora também parar para reflectir e lançar pontes de re-união dos seus eleitorados.

A principal mensagem do referendo britânico, em meu entender, não é a vitória de um lado sobre o outro. É a muito pequena diferença entre ambos os lados: 51,9 contra 48,1 por cento. Devemos saudar o facto de essa profunda divisão do país ter tido voz no interior dos partidos centrais — conservador e trabalhista —, sobretudo no interior do partido e do Governo conservador. É o mais antigo partido das democracias ocidentais. É o partido de Winston Churchill. No seu ADN, está a alergia a revoluções — de esquerda ou de direita — à xenofobia e a fanatismos de sinal contrário.

A meio da noite de ontem, as televisões britânicas noticiaram uma carta subscrita por mais de oitenta deputados conservadores favoráveis à saída, liderados por Michael Gove e Boris Johnson. Essa carta dizia que, qualquer que fosse o resultado, David Cameron devia continuar como primeiro-ministro. Esta manhã, no entanto, Cameron anunciou tranquilamente, sem dramatismo, a sua demissão (não imediata, mas até à próxima conferência do partido, em Outubro). É compreensível, embora a isso não fosse obrigado. Façamos votos de que a transição seja suave e possa promover a re-união dos conservadores.

E façamos votos de que as nações da União Europeia possam também parar para refletir. É preciso acabar com o dogma de que ser europeísta significa ser a favor de sempre maior integração supra-nacional. Em democracia, tem de ser possível defender menos integração supranacional sem por isso ter de ser contra a União Europeia. Essa é talvez a principal lição a retirar do referendo britânico. O tempo agora deve ser de re-união, não de divisão.

João Carlos Espada é diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica e colunista do Observador

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